Embora
a Bíblia não seja tão popular hoje em dia como há alguns séculos
atrás, ainda é um dos livros mais lidos (se não o mais lido) do
mundo. E na Holanda, também é assim.
Em
janeiro, Dirk Jan de Kooter defendeu sua tese de doutorado sobre a
origem da versão mais popular em holandês - e uma das mais antigas
- do Livro Sagrado. Neste post faço uma análise sobre a tese
defendida.
O “Statenvertaling” holandês (a tradução "estatal" oficial)
Assim
como o Reino Unido tem sua versão King James da Bíblia, os
holandeses têm uma tradução da Bíblia que também foi iniciada
pelo governo. Em 1618, o governo holandês ordenou a tradução da
Bíblia para o holandês.
Até
então, as pessoas tinham que fazer uso de diferentes versões da
Bíblia, como a tradução de Martinho Lutero, ou antigas traduções
que, de fato, não se baseavam nas fontes originais, mas em outras
traduções. A fim de prover uma tradução ao povo das Terras
Baixas, o Dutch Staten-Generaal (Estado-Geral holandês) decidiu que
os tradutores encarregados da tarefa trabalhariam diretamente com os
textos originais em hebraico, aramaico e grego.
Esses
tradutores pagos pela Staten-Generaal completaram seu trabalho entre
1626 e 1635. Em 1637, a tradução foi autorizada pelo governo, após
cerca de meio milhão de Bíblias terem sido publicadas.
Segundo algumas pessoas, tal Statenvertaling ("tradução oficial do
Estado", uma chancela no trabalho da tradução ordenada) já
havia sido publicada em idioma incomum; o holandês arcaico. No
entanto, tornou-se a mais importante e autorizada tradução da
Bíblia na Holanda, e manteve essa posição ao longo dos séculos.
Hoje em dia, a Statenvertaling ainda é vista por alguns grupos
religiosos como a melhor e mais confiável tradução da Bíblia, mas
sua autoridade perdeu força e muitas outras igrejas e determinados
grupos religiosos estão aderindo a novas traduções, ou até mesmo
trabalhando em novas traduções.
No
entanto, a Statenvertaling conserva alguma autoridade dentro das
comunidades cristãs e também em comunidades científicas. Os
linguistas, por exemplo, ainda estão pesquisando a amplitude e a
profundidade da linguagem usada, ao passo que, mesmo depois de quase
quatro séculos, vários provérbios e ditados da vida cotidiana
ainda podem ser rastreados até um versículo bíblico em particular.
Mergulhando nas origens da Statenvertaling
Pode
não ser uma surpresa que, ao longo dos séculos, muita pesquisa
tenha sido realizada sobre alguns aspectos da Statenvertaling. As
pessoas continuam estudando aspectos teológicos e linguísticos. No
entanto, havia muito o que esclarecer sobre o processo de tradução
da Bíblia ocorrido no século XVII.
Apesar dos pedidos de
esclarecimentos de cientistas do país, no início do século 20
sobre a realização da tradução, os holandeses tiveram que esperar
até janeiro deste ano para finalmente conhecerem como a
Statenvertaling "nasceu".
Dirk Jan de Kooter pode, então,
defender com sucesso sua abrangente tese na qual aborda o processo de
tradução seguido pelos tradutores do livro mais lido na Holanda.
Para
descobrir como a chamada "tradução oficial" realmente foi feita, De Kooter
introduziu um modelo para análise de diferentes traduções da
Bíblia. Com base nos textos originais, reconstruiu o processo de
tradução do Novo Testamento.
A análise dos textos deixou claro que
um primeiro teólogo entregava uma tradução inicial, que depois era
verificada e editada por um outro. Posteriormente, um terceiro colega
cuidava da correção linguística do texto.
Quando a tradução era
aprovada, uma equipe de pessoas envolvidas cuidava de fornecer
explicações de textos difíceis e ambíguos, as famosas
"Kanttekeningen" ("anotações"), que ainda são
usadas hoje em dia.
Finalmente, uma equipe de consultores comentava,
e por fim a tradução era finalizada.
Em
sua tese abrangente, De Kooter oferece uma análise detalhada dos
textos bíblicos para esclarecer como a tradução da Bíblia foi
feita, e dos métodos e razões que levaram os tradutores a
escolherem certas palavras ou sentenças específicas. Ele é capaz
de mostrar que determinados tradutores usaram de fraseados bem
particulares, o que influenciou as traduções.
Também investiga
profundamente as diferenças entre antigas traduções da Bíblia e a
Statenvertaling, comparando suas peculiaridades linguísticas e as
possíveis justificativas para determinadas escolhas de tradução.
O resultado é de quase 400 páginas (A4!) de uma tese que lança luz nova e sem precedentes sobre como o tempo, o arsenal linguístico disponível e as preferências pessoais influenciaram a formação do livro mais lido do país.
Enquanto algumas pessoas se gabam da
fidedignidade da tradução da Bíblia, De Kooter deixa claro que,
nessa tradução, muitos outros fatores além da simples orientação
divina desempenharam seu papel.
Ele também conclui que aspectos
linguísticos e teológicos influenciaram-se mutuamente.
A pesquisa
de De Kooters é muito interessante, e uma ótima contribuição à
literatura existente sobre o Livro Sagrado e suas influências
linguística e social.
A tese está disponível apenas em holandês,
mas merece uma tradução para o inglês, abrindo portas para
acadêmicos de todo o mundo usarem a metodologia de De Kooter para
revelar a história das traduções globais da Bíblia.
Leitura
recomendada!
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