segunda-feira, 26 de março de 2018

A linguagem falada e sua influência na forma como pensamos



A linguagem que falo influencia o meu modo de pensar?

É verdade que o idioma que falo molda os meus pensamentos?


As pessoas têm feito tal pergunta há centenas de anos. Os linguistas têm prestado especial atenção ao assunto desde a década de 1940, quando Benjamin Lee Whorf estudou Hopi, uma língua nativa americana falada no nordeste do Arizona. Com base em seus estudos, Whorf afirmou que falantes de Hopi e falantes de inglês possuem uma visão diversa do mundo devido às diferenças em suas linguagens.

Sabemos que a resposta a esta questão é complicada. Até certo ponto, é uma questão tipo galinha-ovo: você não consegue pensar em coisas para as quais não existam palavras, ou faltam palavras para elas porque não se pensa nelas? Parte do problema é que não se trata apenas de linguagem e pensamento; também temos a questão da cultura. 
A cultura - as tradições, o estilo de vida, os hábitos e assim por diante -recebida das pessoas com às quais vivemos e interagimos - molda a forma como pensamos, além de definir nossa maneira de falar.
Há um idioma chamado Guugu Yimithirr (falado em North Queensland, Austrália) que não tem palavras como "esquerda" e "direita" ou "frente" e "verso". Os falantes sempre descrevem locais e direções usando as palavras do Guugu Yimithirr para norte, sul, leste e oeste. 
Dessa forma, nunca dirão que um menino está de pé na frente de uma casa; em vez disso, diriam que ele está de pé (por exemplo) a leste da casa. Eles também, sem dúvida, pensariam no menino como estando a leste da casa, enquanto um falante de inglês pensaria nele como parado em frente à casa. 

Nosso idioma afetou nossa maneira de pensar? Ou foi uma diferença nos hábitos culturais que afetou nossos pensamentos e nossa linguagem? Muito provavelmente, a cultura, os hábitos mentais, e a linguagem cresceram juntos.

O problema também não está limitado a palavras individuais. Em inglês, a forma do verbo em uma frase descreve um evento passado ou presente (Mary caminha vs.Mary caminhou). Hopi não exige isso; as formas de seus verbos mostram como o falante recebeu a informação, então pode se usar diferentes formas para conhecimentos de primeira mão (como "eu estou com fome") e informações conhecidas por todos, (tais como"o céu é azul"). Claro, os falantes de inglês podem optar por incluir tais informações (como, Fiquei sabendo que Mary passou no teste), mas não é necessário. Whorf acreditava que, devido a essa diferença, falantes do Hopi e falantes do inglês pensam de forma diferente sobre os eventos, com os Hopi concentrando-se mais na fonte da informação e falantes de inglês concentrando-se mais no tempo do evento.
Os objetos são tratados de maneira diferente pela sintaxe de diferentes idiomas. Em inglês, alguns substantivos (como feijão) são "contáveis" e possuem uma forma no plural (feijões), enquanto outros são "conjuntos" e não podem ter plural (você pode ter duas xícaras de arroz, mas não dois arroz). Outras línguas, como o japonês, não fazem essa distinção; em vez disso, classificadores como "porção de" são usados ​​para todos os substantivos. Os pesquisadores estão estudando se essa propriedade da língua torna os falantes do inglês mais conscientes da distinção entre substâncias e objetos individuais.
Aqui está mais um exemplo. Whorf disse que, porque o inglês trata o tempo como sendo dividido em pedaços que podem ser contados - três dias, quatro minutos e meia hora - os falantes do idioma tendem a tratar o tempo como um grupo de objetos - segundos, minutos e horas - em vez de um fluxo contínuo uniforme. Isto, ele diz, nos faz pensar que o tempo é uma "coisa" que pode ser salva, desperdiçada ou perdida. Os Hopi não falam de tempo nesses termos, e então pensam sobre isso de maneira diferente; para eles é um ciclo contínuo. Mas isso não significa necessariamente que nossa linguagem tenha nos imposto uma certa visão sobre o tempo; pode ser que nossa visão do tempo se reflita em nosso idioma, ou que a maneira como lidamos com o tempo em nossa cultura tenha reflexos em nossa linguagem e pensamentos. Parece provável que a linguagem, o pensamento e a cultura formem três fios trançados, cada um afetando os demais.


Mas as pessoas pensam em linguagem, certo?

Na maioria das vezes, sim. Mas nem sempre. Você pode facilmente invocar imagens mentais e sensações que seriam difíceis de descrever em palavras. Podemos pensar sobre o som de uma sinfonia, a forma de uma pera ou o cheiro de pão de alho. Nenhum desses pensamentos requer linguagem.

Então, é possível pensar em algo, mesmo que eu não disponha de uma palavra para descrevê-lo?

Sim. Pegue as cores, por exemplo. Há um número infinito de cores diferentes, e nem todas têm seus nomes particulares. Se você tem uma lata de tinta vermelha e, lentamente, adiciona o azul, gota a gota, a cor mudará bem devagar para um roxo avermelhado, depois roxo e depois roxo azulado. Cada gota alterará a cor muito ligeiramente, mas não haverá um momento único em que deixará de ser vermelha e se tornará roxa. O espectro de cores é contínuo. Nosso idioma, no entanto, não é contínuo. Nossa linguagem nos faz quebrar o espectro de cores em "vermelho", "roxo", e assim por diante.
O Dani da Nova Guiné tem apenas dois termos básicos de cores em seu idioma, um para cores "escuras" (incluindo azul e verde) e um para cores "claras" (incluindo amarelo e vermelho). Tal idioma quebra o espectro de cores de maneira diferente do nosso. Mas isso não significa que não possam ver a diferença entre amarelo e vermelho; estudos mostraram que eles podem ver diferentes cores do mesmo modo que os falantes do inglês.
Em russo, há duas palavras diferentes para azul-claro e azul-escuro. Isso significa que os russos pensam nelas como cores "diferentes", enquanto que ter uma só palavra (azul) faz com que os falantes de inglês pensem nelas como iguais? Talvez. Você pensa em vermelho e cor-de-rosa como cores diferentes? Em caso afirmativo, você pode estar sob a influência do seu idioma; afinal, o rosa é realmente apenas vermelho claro.
Portanto, nosso idioma não nos obriga a ver apenas o que nos proporciona em palavras, mas isso pode afetar a forma como colocamos as coisas em grupos. Uma das tarefas no aprendizado infantil de um idioma é descobrir quais são as coisas chamadas pela mesma palavra. Depois de saber que a família de São Bernardo é de cães, a criança pode ver uma vaca e dizer cachorro, pensando que as duas coisas contam como o mesmo. Ou a criança pode não perceber que o chihuahua do vizinho também conta como um cachorro. A criança deverá aprender qual a variedade de objetos é coberta pela palavracachorro. Aprendemos a agrupar coisas que são semelhantes e a dar-lhes o mesmo rótulo, mas o que tem semelhança suficiente para ficar sob o tal rótulo pode variar de idioma para idioma.
Em outras palavras, a influência da linguagem não é tanto sobre o que podemos pensar, nem sobre o que nos faz pensar, mas sim sobre como dividimos a realidade em categorias e as rotulamos. E nisso, nossa linguagem e nossos pensamentos provavelmente são, ambos, muito influenciados pela cultura na qual vivemos.

Mas e todas essas palavras esquimós para a neve?

Você pode ter ouvido dizer que os esquimós têm dezenas (ou mesmo centenas!) de palavras para a neve. As pessoas costumam usar essa afirmação para mostrar que a forma como vemos o mundo e a maneira como falamos sobre isso, estão intimamente relacionados. Porém, não é verdade que os esquimós tenham um número extraordinário de palavras para a neve. Em primeiro lugar, não há apenas uma língua esquimó; as pessoas as quais chamamos de "Esquimós" falam uma variedade de idiomas nas famílias de línguas Inuit e Yupik. E mesmo se escolhermos um único dialeto de um único idioma, não encontraremos muita evidência de que ele tenha mais palavras para a neve do que o inglês. Por um lado, há a questão do que conta como uma palavra: em inglês, podemos combinar palavras para obter formas compostas como bola de neve e floco de neve, e podemos adicionar o que se chama terminação inflexionada para obter nevou e nevando. As línguas esquimós têm muito mais processos de formação de palavras do que o inglês, então uma única palavra "raiz" (como neve) pode ser a base para centenas de palavras relacionadas. Não parece justo contar cada uma deles separadamente. Se contar apenas as raízes, perceberá que esses idiomas não são diferentes do inglês. Afinal, o inglês tem muitas palavras para a neve; temos neve, granizo, lama, geada, tempestade de neve, avalanche, nevasca, precipitação, e se você é um esquiador fervoroso, provavelmente sabe ainda mais.

Então, aprender uma língua diferente não mudará a maneira como penso?

Na verdade não, mas se o novo idioma é muito diferente do seu, poderá dar-lhe alguma visão sobre outra cultura e outro modo de vida.

Mais informação

Nunberg, Geoffrey. 1996. "Snowblind." Linguagem Natural e Teoria Linguística 14: p. 205-213.
Pullum, Geoffrey. 1991. The Great Eskimo Vocabulary Hoax e outros ensaios irreverentes sobre o estudo da linguagem. Chicago: University of Chicago Press.
Por: Betty Birner
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