segunda-feira, 26 de março de 2018

A linguagem falada e sua influência na forma como pensamos



A linguagem que falo influencia o meu modo de pensar?

É verdade que o idioma que falo molda os meus pensamentos?


As pessoas têm feito tal pergunta há centenas de anos. Os linguistas têm prestado especial atenção ao assunto desde a década de 1940, quando Benjamin Lee Whorf estudou Hopi, uma língua nativa americana falada no nordeste do Arizona. Com base em seus estudos, Whorf afirmou que falantes de Hopi e falantes de inglês possuem uma visão diversa do mundo devido às diferenças em suas linguagens.

Sabemos que a resposta a esta questão é complicada. Até certo ponto, é uma questão tipo galinha-ovo: você não consegue pensar em coisas para as quais não existam palavras, ou faltam palavras para elas porque não se pensa nelas? Parte do problema é que não se trata apenas de linguagem e pensamento; também temos a questão da cultura. 
A cultura - as tradições, o estilo de vida, os hábitos e assim por diante -recebida das pessoas com às quais vivemos e interagimos - molda a forma como pensamos, além de definir nossa maneira de falar.
Há um idioma chamado Guugu Yimithirr (falado em North Queensland, Austrália) que não tem palavras como "esquerda" e "direita" ou "frente" e "verso". Os falantes sempre descrevem locais e direções usando as palavras do Guugu Yimithirr para norte, sul, leste e oeste. 
Dessa forma, nunca dirão que um menino está de pé na frente de uma casa; em vez disso, diriam que ele está de pé (por exemplo) a leste da casa. Eles também, sem dúvida, pensariam no menino como estando a leste da casa, enquanto um falante de inglês pensaria nele como parado em frente à casa. 

Nosso idioma afetou nossa maneira de pensar? Ou foi uma diferença nos hábitos culturais que afetou nossos pensamentos e nossa linguagem? Muito provavelmente, a cultura, os hábitos mentais, e a linguagem cresceram juntos.

O problema também não está limitado a palavras individuais. Em inglês, a forma do verbo em uma frase descreve um evento passado ou presente (Mary caminha vs.Mary caminhou). Hopi não exige isso; as formas de seus verbos mostram como o falante recebeu a informação, então pode se usar diferentes formas para conhecimentos de primeira mão (como "eu estou com fome") e informações conhecidas por todos, (tais como"o céu é azul"). Claro, os falantes de inglês podem optar por incluir tais informações (como, Fiquei sabendo que Mary passou no teste), mas não é necessário. Whorf acreditava que, devido a essa diferença, falantes do Hopi e falantes do inglês pensam de forma diferente sobre os eventos, com os Hopi concentrando-se mais na fonte da informação e falantes de inglês concentrando-se mais no tempo do evento.
Os objetos são tratados de maneira diferente pela sintaxe de diferentes idiomas. Em inglês, alguns substantivos (como feijão) são "contáveis" e possuem uma forma no plural (feijões), enquanto outros são "conjuntos" e não podem ter plural (você pode ter duas xícaras de arroz, mas não dois arroz). Outras línguas, como o japonês, não fazem essa distinção; em vez disso, classificadores como "porção de" são usados ​​para todos os substantivos. Os pesquisadores estão estudando se essa propriedade da língua torna os falantes do inglês mais conscientes da distinção entre substâncias e objetos individuais.
Aqui está mais um exemplo. Whorf disse que, porque o inglês trata o tempo como sendo dividido em pedaços que podem ser contados - três dias, quatro minutos e meia hora - os falantes do idioma tendem a tratar o tempo como um grupo de objetos - segundos, minutos e horas - em vez de um fluxo contínuo uniforme. Isto, ele diz, nos faz pensar que o tempo é uma "coisa" que pode ser salva, desperdiçada ou perdida. Os Hopi não falam de tempo nesses termos, e então pensam sobre isso de maneira diferente; para eles é um ciclo contínuo. Mas isso não significa necessariamente que nossa linguagem tenha nos imposto uma certa visão sobre o tempo; pode ser que nossa visão do tempo se reflita em nosso idioma, ou que a maneira como lidamos com o tempo em nossa cultura tenha reflexos em nossa linguagem e pensamentos. Parece provável que a linguagem, o pensamento e a cultura formem três fios trançados, cada um afetando os demais.


Mas as pessoas pensam em linguagem, certo?

Na maioria das vezes, sim. Mas nem sempre. Você pode facilmente invocar imagens mentais e sensações que seriam difíceis de descrever em palavras. Podemos pensar sobre o som de uma sinfonia, a forma de uma pera ou o cheiro de pão de alho. Nenhum desses pensamentos requer linguagem.

Então, é possível pensar em algo, mesmo que eu não disponha de uma palavra para descrevê-lo?

Sim. Pegue as cores, por exemplo. Há um número infinito de cores diferentes, e nem todas têm seus nomes particulares. Se você tem uma lata de tinta vermelha e, lentamente, adiciona o azul, gota a gota, a cor mudará bem devagar para um roxo avermelhado, depois roxo e depois roxo azulado. Cada gota alterará a cor muito ligeiramente, mas não haverá um momento único em que deixará de ser vermelha e se tornará roxa. O espectro de cores é contínuo. Nosso idioma, no entanto, não é contínuo. Nossa linguagem nos faz quebrar o espectro de cores em "vermelho", "roxo", e assim por diante.
O Dani da Nova Guiné tem apenas dois termos básicos de cores em seu idioma, um para cores "escuras" (incluindo azul e verde) e um para cores "claras" (incluindo amarelo e vermelho). Tal idioma quebra o espectro de cores de maneira diferente do nosso. Mas isso não significa que não possam ver a diferença entre amarelo e vermelho; estudos mostraram que eles podem ver diferentes cores do mesmo modo que os falantes do inglês.
Em russo, há duas palavras diferentes para azul-claro e azul-escuro. Isso significa que os russos pensam nelas como cores "diferentes", enquanto que ter uma só palavra (azul) faz com que os falantes de inglês pensem nelas como iguais? Talvez. Você pensa em vermelho e cor-de-rosa como cores diferentes? Em caso afirmativo, você pode estar sob a influência do seu idioma; afinal, o rosa é realmente apenas vermelho claro.
Portanto, nosso idioma não nos obriga a ver apenas o que nos proporciona em palavras, mas isso pode afetar a forma como colocamos as coisas em grupos. Uma das tarefas no aprendizado infantil de um idioma é descobrir quais são as coisas chamadas pela mesma palavra. Depois de saber que a família de São Bernardo é de cães, a criança pode ver uma vaca e dizer cachorro, pensando que as duas coisas contam como o mesmo. Ou a criança pode não perceber que o chihuahua do vizinho também conta como um cachorro. A criança deverá aprender qual a variedade de objetos é coberta pela palavracachorro. Aprendemos a agrupar coisas que são semelhantes e a dar-lhes o mesmo rótulo, mas o que tem semelhança suficiente para ficar sob o tal rótulo pode variar de idioma para idioma.
Em outras palavras, a influência da linguagem não é tanto sobre o que podemos pensar, nem sobre o que nos faz pensar, mas sim sobre como dividimos a realidade em categorias e as rotulamos. E nisso, nossa linguagem e nossos pensamentos provavelmente são, ambos, muito influenciados pela cultura na qual vivemos.

Mas e todas essas palavras esquimós para a neve?

Você pode ter ouvido dizer que os esquimós têm dezenas (ou mesmo centenas!) de palavras para a neve. As pessoas costumam usar essa afirmação para mostrar que a forma como vemos o mundo e a maneira como falamos sobre isso, estão intimamente relacionados. Porém, não é verdade que os esquimós tenham um número extraordinário de palavras para a neve. Em primeiro lugar, não há apenas uma língua esquimó; as pessoas as quais chamamos de "Esquimós" falam uma variedade de idiomas nas famílias de línguas Inuit e Yupik. E mesmo se escolhermos um único dialeto de um único idioma, não encontraremos muita evidência de que ele tenha mais palavras para a neve do que o inglês. Por um lado, há a questão do que conta como uma palavra: em inglês, podemos combinar palavras para obter formas compostas como bola de neve e floco de neve, e podemos adicionar o que se chama terminação inflexionada para obter nevou e nevando. As línguas esquimós têm muito mais processos de formação de palavras do que o inglês, então uma única palavra "raiz" (como neve) pode ser a base para centenas de palavras relacionadas. Não parece justo contar cada uma deles separadamente. Se contar apenas as raízes, perceberá que esses idiomas não são diferentes do inglês. Afinal, o inglês tem muitas palavras para a neve; temos neve, granizo, lama, geada, tempestade de neve, avalanche, nevasca, precipitação, e se você é um esquiador fervoroso, provavelmente sabe ainda mais.

Então, aprender uma língua diferente não mudará a maneira como penso?

Na verdade não, mas se o novo idioma é muito diferente do seu, poderá dar-lhe alguma visão sobre outra cultura e outro modo de vida.

Mais informação

Nunberg, Geoffrey. 1996. "Snowblind." Linguagem Natural e Teoria Linguística 14: p. 205-213.
Pullum, Geoffrey. 1991. The Great Eskimo Vocabulary Hoax e outros ensaios irreverentes sobre o estudo da linguagem. Chicago: University of Chicago Press.
Por: Betty Birner
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segunda-feira, 19 de março de 2018

Desigualdade e Crime


Como a crescente desigualdade prejudica a todos, até mesmo os ricos

Estudos mostram que, a longo prazo, mais desigualdade significa menos riqueza para todos

Por Christopher Ingraham
Ao longo dos últimos 40 anos, a economia americana carreou riqueza e renda no estilo Robin Hood às avessas; dos bolsos dos 99% menos afortunados para os cofres dos 1% mais abonados. A transferência total para os mais ricos equivale a 10% da renda nacional e cerca de 15% da riqueza do país. 

Essa enorme concentração de riqueza e renda entre os ricos colocou os Estados Unidos em níveis de desigualdade jamais vistos no país desde antes da Segunda Guerra Mundial. É uma tendência que os economistas, como Thomas Piketty, acreditam que continuará sem controle nas próximas décadas, com 1% dos americanos capturando um quarto ou mais da renda nacional até 2030.
A questão é, obviamente, entendida como um problema para aqueles que têm menos, e certamente o é. Mas estudos recentes demonstram que a desigualdade é ruim para todos na sociedade.
Algumas das dores são econômicas: os estudos sugerem que a desigualdade deprime o crescimento econômico, disponibilizando menos para ser dividido pela sociedade - independentemente de como seus membros decidam fazê-lo. Algumas são sociais: estudos descobriram que a desigualdade, particularmente o alto nível observado nos atuais Estados Unidos, dá origem a comportamentos criminosos.
Esses efeitos podem morder um pedaço de seu contra-cheque, independentemente de você estar dentre os 99% do fundo, ou no topo do 1%. Importantes economistas e organizações econômicas estão chegando à conclusão de que para maximizar os ganhos e a riqueza para todos - incluindo aqueles no topo - deve existir controle significativo sobre a renda e a desigualdade.

A desigualdade prejudica o crescimento econômico, especialmente a alta desigualdade em nações ricas.

Em 2014, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, uma reunião dos 35 países mais ricos do mundo, incluindo os Estados Unidos, descobriu que o aumento da desigualdade nos Estados Unidos de 1990 a 2010 atingiu cerca de cinco pontos percentuais do PIB per capita acumulado durante esse período. Efeitos semelhantes foram observados em outros países ricos.
"O principal mecanismo através do qual a desigualdade afeta o crescimento é prejudicando as oportunidades de educação para crianças de origens socioeconômicas pobres, reduzindo a mobilidade social e dificultando o desenvolvimento de habilidades ", constatou a OCDE. As crianças de 40% das famílias mais pobres (uma grande parte da população) estão perdendo valiosas oportunidades educacionais. Isso os tornará trabalhadores menos produtivos, o que significa salários mais baixos, e por tabela, uma menor participação na economia.
Embora isso seja, obviamente, uma má notícia para as famílias pobres, também prejudicará as pessoas no topo. Se você é um bilionário proprietário de uma empresa de varejo ou fabricação, deseja que as pessoas possam pagar pelas coisas que você está vendendo. Henry Ford oferecia altos salários aos seus trabalhadores, e não por qualquer impulso altruísta, mas porque queria que eles comprassem os carros que fabricavam.
Nem toda desigualdade é necessariamente ruim. Um documento do Banco Mundial de 2015 descobriu que uma certa dose de desigualdade aumenta o PIB per capita nas economias em desenvolvimento, ao permitir que empresários ricos invistam mais. Mas esse efeito é revertido em economias avançadas como a americana, principalmente por causa dos efeitos prejudiciais sobre o nível de escolaridade descrito acima.
Mesmo em países como os EUA, nem toda desigualdade é prejudicial. Um relatório do Fundo Monetário Internacional no ano passado descobriu que a desigualdade em níveis de baixo a moderado poderia ser benéfica para o crescimento. Em uma escala de 0-100 conhecida como coeficiente de Gini, onde 0 significa que todos têm a mesma renda e 100 significa que apenas um indivíduo tem tudo, a desigualdade estimulou o crescimento em países com valores de índice abaixo de 27. Infelizmente para os EUA, o valor atual do índice Gini está em algum lugar em torno de 41, muito além do limite onde a desigualdade se torna prejudicial.

A desigualdade alimenta a criminalidade.

Isso é um pouco óbvio, mas vale a pena destacar alguns pontos chaves do estudo: se você tem uma sociedade drasticamente dividida entre vencedores e perdedores, alguns desses perdedores vão concluir que o jogo é manipulado e que não é interessante jogar pelo regras.
Um estudo da Escola de Economia de Londres de 2016, por exemplo, descobriu que grandes disparidades de renda dentro de determinadas vizinhanças nos EUA, levaram a mais crimes contra a propriedade nos bairros mais ricos. "As diferenças de renda criam um incentivo para aqueles relativamente pobres roubarem as famílias mais ricas", explicam os autores.
Talvez, surpreendentemente, as ligações entre desigualdade e crime violento sejam ainda mais claras. Um documento do Banco Mundial de 2002 encontrou fortes correlações entre desigualdade e índices de crimes violentos, tanto dentro dos países quanto entre eles. Os autores dizem que existe um relacionamento causal, mesmo após serem controladas uma série de outras conhecidas determinantes de crimes. A implicação é que altos níveis de desigualdade criam uma permanente subclasse forçada a competir por recursos escassos, às vezes de forma violenta, com ela própria ou com outra classes.
Este fenômeno é particularmente claro no México atual, de acordo com um documento do Banco Mundial de 2014. Devido à proliferação de gangues durante a guerra contra as drogas no país, os custos do crime diminuíram à medida que o conhecimento e habilidades criminais se espalhavam por toda a população em geral. O alto nível de desigualdade no México (coeficiente de Gini: 48.2), enquanto isso, significou um aumento na expectativa dos benefícios obtidos com o crime. O que você tem é uma tempestade perfeita de incentivos para crimes violentos.
Vale ressaltar que a desigualdade não é o único motor do crime. Nos Estados Unidos, por exemplo, a taxa de criminalidade violenta diminuiu desde o início dos anos 90, mesmo com o crescimento da desigualdade. Há muitos fatores em jogo: policiamento, crescimento econômico geral, até mesmo níveis de desenvolvimento ambiental. O que os estudos acima sugerem é que, se o aumento da desigualdade tivesse sido menos grave, as taxas da criminalidade americana teriam caído ainda mais.
Da mesma forma, muitos fatores além da desigualdade impulsionam o crescimento econômico. Mas a quase unanimidade nos estudos acima, particularmente relacionados aos países ricos com altos níveis de desigualdade, apresentam um caso convincente de que a desigualdade será prejudicial para todos nós, a longo prazo. É por isso que organizações como a OCDE, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial estão disparando cada vez mais o alarme sobre tal problema: a crescente desigualdade prejudica a todos, independentemente do status econômico.
Mas um segmento substancial de eleitores americanos respondeu ao aumento sem precedentes da desigualdade no início do século XXI com uma indiferença coletiva. No ano passado, por exemplo, 35 por cento dos americanos disseram ao Gallup que estavam satisfeitos com a forma como a riqueza e a renda eram distribuídas nos Estados Unidos. Em 2016, porcentagens semelhantes diziam que a distribuição de dinheiro e riqueza era "justa", e que os americanos mais ricos já estavam pagando uma parcela aceitável ou demasiada em impostos. Quase metade disse que desaprovava a redistribuição de riqueza através de impostos mais elevados para os mais ricos.
Muitos americanos consideram a desigualdade como o resultado natural quando talento e habilidade são distribuídos de forma desigual em toda a sociedade - os ricos são ricos porque eles trabalham mais, são mais inteligentes e mais produtivos do que os demais. A alta desigualdade é em grande parte uma questão de mérito, de acordo com essa visão, e não algo que deva despertar demasiada preocupação. Seria uma característica do sistema capitalista, não um defeito.
Mas, mesmo se você achar que os ricos têm direito a uma parcela maior do bolo nacional por causa de seu talento, produtividade e trabalho árduo, pesquisa econômica recente sugere que a desigualdade não controlada significa menos bolo para todos - até mesmo para esses ricos.

© 2018, The Washington Post
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segunda-feira, 12 de março de 2018

GLOBISH - A universalização da língua inglesa



Globês para iniciantes

Se o mundo inteiro falar inglês, ainda será inglês?



Em 1834, Thomas Babington Macaulay, historiador e estadista britânico, chegou a Madras. Ele viajou para o norte, até Calcutá, depois à capital da Índia, para assumir o papel de Diretor do Conselho Geral de Governo. "Sabemos que a Índia não pode ter um governo livre", escrevera Macaulay ao filósofo escocês James Mill no ano anterior. "Mas pode ter a segunda melhor coisa: um despotismo firme e imparcial." 

Alguns meses depois, Macaulay redigiu um memorando sobre a educação indiana, afirmando: "É impossível para nós, com nossos meios limitados, tentar educar toda uma população. Deveremos, no momento, fazer o nosso melhor para formar uma classe que possa ser intérprete entre nós e os milhões os quais governamos; uma classe de pessoas, indianas em sangue e cor, mas inglesas em gosto, em opiniões, em moral e no intelecto. "  A implicação era óbvia: os indianos deveriam aprender a linguagem de seus ocupantes.

Com o apoio de Macaulay, as escolas instruíram os estudantes indianos em inglês, uma linguagem que oferecia "acesso imediato à toda uma vasta riqueza intelectual, que todas as nações mais sábias da Terra criaram e acumularam ao longo de noventa gerações", enquanto o sânscrito e o árabe ofereciam apenas "gosto duvidoso e filosofia falsa." 

Em 1840, de acordo com o biógrafo de Macaulay, Robert E. Sullivan, "o inglês era o idioma dominante em Calcutá." Em 1857, foram abertas universidades de língua inglesa em Madras, Bombaim e Calcutá. A Visão Macaulay de uma classe independente de indianos anglófonos tornara-se uma realidade.

Mas tal desenvolvimento teve suas ironias: 1857 também foi o ano em que soldados indianos se rebelaram contra regras centenárias da Companhia das Índias Ocidentais. O levante foi impiedosamente derrotado, mas o choque provocado em Londres causou a dissolução da Companhia e o estabelecimento da Regulação Real (Raj britânico). 

A rebelião agora é considerada por muitos indianos como a primeira guerra de independência. Além disso, as gerações de líderes surgida no movimento, na sequência da rebelião, tendia a ser formada por falantes de inglês - precisamente a "classe" imaginada por Macaulay. Em 1950, a constituição indiana foi ratificada; e estava escrita em inglês.

A epopeia do inglês na Índia simboliza a estranha história dessa língua. O inglês tem sido o idioma de conquistadores e imperialistas, mas também o de insurgentes e democratas. Com frequência foi moldado por populações às quais fora imposto; um grande número de palavras comuns do inglês ("selva", "nirvana", "bangalô") foram, por exemplo, tiradas das línguas faladas na Índia. 

O inglês também se tornou, como Robert McCrum afirma em "Globish" (Norton, $ 26.95), a "linguagem do mundo", e é um mérito desse livro ter alertado sobre as muitas dicotomias da globalização do inglês. "Essa revolução é uma criatura da globalização?", ele pergunta, "ou o capitalismo mundial deve sua energia e resiliência ao inglês global em todas as suas manifestações, tanto culturais quanto linguísticas?"

"Globês" não é o mesmo que inglês globalizado. O termo foi cunhado por Jean-Paul Nerrière, ex-executivo francês da IBM, que observou que falantes não-nativos do inglês eram capazes de se comunicar com um vocabulário "utilitário" mínimo de palavras inglesas. McCrum, autor e editor britânico que co-escreveu várias edições de "The Story of English", explica que o Globês é um fenômeno esmagadoramente econômico - a linguagem dos empresários de Cingapura fechando negócios com a ajuda de um pequeno arsenal de palavras em inglês, e de autoridades europeias acalmando os mercados financeiros proferindo frases prontas na televisão. 
Ele oferece um relato jornalístico do uso mundial, em conjunto com um histórico do desenvolvimento do inglês ao redor do mundo. Tal histórico mostra a profundidade e a complexidade do papel do inglês na evolução política e cultural das sociedades nas quais se espalhou. É improvável que a influência do Globês seja tão revolucionária ou duradoura.

McCrum começa com o local de nascimento do inglês, que, como George Orwell observou, sempre teve várias denominações sobrepostas: "Chamamos nossas ilhas por pelo menos seis nomes diferentes, Inglaterra, Bretanha, Grã-Bretanha, Ilhas Britânicas, Reino Unido e, em momentos muito exaltados, Albion." A história responsável por essa diversidade - sobre as sucessivas invasões - também assegurou que a linguagem se desenvolvesse de forma incomum. 

A ocupação romana, desde 43 AC até o início do século V, acostumou os ilhéus de língua celta ao latim, que logo se tornou o idioma da elite romano-britânica. A influência disso ainda é evidente na topografia do inglês; por exemplo, a palavra latina para acampamento é castra, que é a razão pela qual tantos nomes de lugares britânicos terminam em "-chester" ou "-cester." 

A retirada dos romanos foi seguida pelas incursões de falantes germânicos vindos do que é agora o norte da Alemanha e a Dinamarca, levando ao surgimento do inglês anglo-saxão ou inglês antigo. McCrum explica: "Todo mundo que fala ou escreve qualquer tipo de inglês no século XXI está usando expressões, gramática e vocabulário, que, com várias modificações, podem ser rastreados em uma linhagem direta ao inglês antigo dos anglo-saxões. " 

No século IX, Alfredo, o Grande, enxergou o idioma como uma forma de unir vários reinos anglo-saxões contra a ameaça das invasões vikings. Ele ordenou a tradução de vários textos latinos para o inglês, reconhecendo, como Macaulay, a importância de envolver os jovens na sua língua de escolha.

Em 1066, a invasão normanda estabeleceu o francês como língua oficial, mas tal fato não desbancou o inglês. Em vez disso, a assimilação pelo inglês de elementos do francês, produziu o inglês médio e, com ele, o perfil básico da linguagem que ainda falamos: um grande vocabulário de palavras germânicas e derivadas de francês organizadas por uma gramática germânica simplificada. 

A partir daí, as mudanças foram incrementais. No século XVI, a ampla circulação das traduções em inglês tanto da Bíblia como do Livro de Orações Diárias trouxeram um novo grau de padronização. A evolução da literatura nacional é testemunha dessa transformação. 

Como McCrum observa, Chaucer é difícil para os leitores contemporâneos, mas Shakespeare, dois séculos depois, é muito mais inteligível. Além disso, o grande florescimento linguístico proporcionado por Shakespeare e seus contemporâneos coincidiu com a transformação da Grã-Bretanha em uma significativa potência marítima. A linguagem dos conquistados agora era usada a serviço do império em não menos do que treze colônias do Atlântico.

O colonialismo britânico estabeleceu firmemente o inglês nos territórios que agora compõem os Estados Unidos, mas as distinções entre o inglês americano e o britânico são tão importantes quanto todo o patrimônio compartilhado. Escritores na Inglaterra costumam brincar e rir com essas diferenças. Wilde escreveu: "Nós realmente temos tudo em comum com a América hoje em dia, exceto, claro, a linguagem", e Shaw falou de "duas nações divididas por uma linguagem comum." 

Por trás das piadas, no entanto, reside uma história radical. McCrum mostra como norte-americanos muito descontentes com as regras britânicas, deliberadamente forjaram um inglês americano claramente distinto. Thomas Jefferson escreveu: "Novas circunstâncias exigem novas palavras, novas frases e a migração de palavras antigas para novos objetos." De acordo com Benjamin Rush, o inglês americano era uma língua que evitava "o estilo empolado de Johnson, o brilho extravagante de Gibbon." 

Em 1789, Noah Webster incentivou a reforma ortográfica e de vocabulário, escrevendo que "a Grã-Bretanha, de quem somos filhos, e cujo idioma falamos, não deve ser mais o nosso padrão; o gosto de seus escritores já está corrompido, e sua linguagem declina. " O novo estilo americano, conscientemente direto, foi adotado pelo inglês Thomas Paine em seus panfletos. A Constituição, que McCrum chama de "triunfo da síntese", é outro exemplo do impacto duradouro do inglês americano.

Mas o inglês é, de alguma forma, inerentemente democrático e acolhedor para a liberdade e a criatividade? A Constituição seria um documento tão liberal, se a população da Grã-Bretanha falasse espanhol ou francês? McCrum tenta lidar com isso de duas formas: "A linguagem se torna mais do que apenas um meio essencial de comunicação; incorpora aspirações contemporâneas, expressando vontade de surgir com novas ideias, adaptar usos antigos e dar voz às pessoas modernas. A linguagem, não pode ser extremamente rígida, mas intrinsecamente neutra, e não há contradição em afirmar que o inglês - em virtude de suas origens e história - é único. " No entanto, há uma contradição aqui, e aparece mais tarde quando McCrum escreve que o inglês está "do lado do indivíduo" e cita o louvor de Voltaire sobre sua "naturalidade", "energia" e "ousadia." Se os idiomas são "intrinsecamente neutros", então o inglês simplesmente não pode ser tudo isso.

Alguns argumentaram que o inglês tem certas propriedades - uma gramática flexível, a ausência de formas masculinas e femininas - que facilitam a aprendizagem e, portanto, a exportação. Essas qualidades, porém, são compensadas por uma ortografia arbitrária e, além disso, existem outras línguas, como o russo, que se espalharam apesar de serem difíceis de dominar. Os exércitos e marinhas são, em última instância, mais importantes do que a mecânica sintática no estabelecimento da disseminação de um idioma. Provavelmente, o inglês estava no lugar certo no momento certo.

McCrum segue sua história com uma pesquisa mundial do Globês. Há relatos de call centers e trabalhos terceirizados e uma visita bem detalhada à "Esquina inglesa" da Universidade Informal de Pequim, onde os alunos passam suas noites de sexta-feira discutindo tudo, desde a Praça Tiananmen até os filmes de Hugh Grant. Essas histórias são atraentes, mas tendem a misturar o Globês rudimentar e utilitário com o inglês. Os estudantes chineses que se reúnem para discutir Hugh Grant estão buscando competência linguística e cultural muito maior do que a exigida pelos call centers. 

O problema se repete na discussão de McCrum sobre a Índia. Ele escreve sobre o romancista nascido na Índia Kiran Desai, mas os feitos do escritor da Commonwealth no inglês literário claramente têm pouco a ver com o fenômeno contemporâneo do Globês, e é difícil evitar a sensação de que McCrum simplesmente tem mais interesse no primeiro.

Nerrière, o criador do termo "Globês", diz a McCrum que o maior impacto do Globês será "limitar dramaticamente a influência da língua inglesa"; as pessoas não precisarão aprender inglês quando podem contar com o Globês. Isso agradaria aos linguistas; temerosos de que a propagação do inglês ponha em perigo a sobrevivência de outras línguas. Mas a ideia é questionável. É verdade que a história linguística está cheia de línguas marginais, que facilitaram a comunicação básica entre grupos diferentes, mas não impediram que ninguém falasse o próprio idioma. 

No entanto, tais marginalidades costumam evoluir em situações nas quais os falantes de línguas específicas - português e tamil, digamos - precisem se comunicar com um propósito claramente definido, geralmente para comercializar. 

Talvez o Globês não passe de um "marginal" internacional, mas a facilidade das viagens modernas e o enorme alcance da mídia eletrônica aumentaram consideravelmente os tipos de interações agora possíveis. Para muitas pessoas, apenas o tal Globês não será suficiente. Elas vão querer aprender o verdadeiro inglês.

Em uma recente viagem à Índia, gastei alguns dias em Chennai (a antiga Madras de Macaulay), local em que as livrarias de língua inglesa testemunharam um tipo de relação simbiótica com o entusiasmo anglo-americano pela literatura indiana. Tanto o Globês quanto o inglês prosperavam, mas foi o único registro do tipo. A maioria dos jovens está agora tendendo a falar apenas o inglês, sendo que um estudante adolescente me informou que até mesmo os adultos que antes só falavam tamil, o idioma local, começam a se expressar em tanglês com os próprios filhos. Quando eu disse que as pessoas na América se referiam ao termo "espanglês", ele me pareceu decepcionado de que o chamado "código-intercambiável" não era um fenômeno exclusivamente indiano. Perguntei a uma professora como ela se comunicava com os indianos não-falantes do tamil - cerca de 1 bilhão de pessoas - "Inglês, é claro", foi a resposta.

Macaulay continua a ser uma figura muito discutida na Índia, mas ele entendia aonde suas políticas o levariam. Sabia que a independência indiana não tardaria, mas queria estar seguro de que a classe certa de pessoas estivessem no poder quando os ingleses partissem, mas deixando como herança "o eterno império de nossas artes, nossa moral, literatura e leis." Em 2006, um proeminente ativista da subclasse dalit da Índia elogiou as iniciativas educacionais de Macaulay, argumentando que a língua inglesa tinha o poder de emancipar os indianos de baixas castas. Claro que argumentos contrários podem ser feitos: a falta de uma educação inglesa poderia perpetuar a miséria de muitos indianos. Ainda assim, na medida em que a Índia, com suas muitas línguas e culturas, persiste como uma entidade nacional coesa, o método de Macaulay desempenha um papel importante. E a história da índia, assim como a americana, não é sobre o globês; e sim sobre o idioma inglês.


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terça-feira, 6 de março de 2018

A Tradução e alguns "probleminhas"...


Inglês ou "Globês"?
O QUE É MAIS IMPORTANTE: A PUREZA OU A FLEXIBILIDADE?

Por Shena Wilson

O mundo da tradução é extraordinariamente cheio de detalhes.

Quando pessoas que amam palavras e ideias leem uma tradução mal feita, costumam dizer algo como: "Não basta simplesmente ser bilíngue para fazer traduções. "

Existem excelentes tradutores profissionais que não têm um diploma especifico da própria área de tradução. Muitos destes profissionais têm extensos antecedentes em campos específicos, bem como conhecimentos aprofundados em pelo menos dois idiomas.

Atualmente, moro na bela e artística Paris, e vejo regularmente verdadeiras "jóias" linguísticas em paredes e lugares públicos, revistas, livros, propagandas, e em diversos outros locais. Variam desde os simplesmente incorretos, grosseiros, até mesmo aos involuntariamente gentis. São publicados e, aparentemente, alguém foi pago para fazer a tradução. Ou vieram depois de introduzidos em um aplicativo ou programa. E então? Quem realmente se importa? Bem, eu sim. E não estou só.

Não há necessidade de palavreado extravagante para produzir um aviso dizendo que a loja estará fechada no dia tal, ou que a sobremesa do dia é "Torta de maça", ou que Risotto de frutos do mar é "arroz cozido demais com peixes". Nem todo dono de restaurante vai contratar um profissional para trabalhar em algo que será usado apenas por alguns dias.
No entanto…
Não há como, aqui na Cidade Luz, você jogar com sucesso um croissant na rua sem atingir um anglófono nativo a caminho da Boulangerie.

E talvez, só por acaso, essa pessoa de língua inglesa que seja atingida pelo croissant voador, possa ser persuadida a reler o cartaz ou o menu antes de ser disponibilizado ao público?

Em nosso acelerado mundo de impaciência e tecnologia, parece que algumas pessoas estão bastante satisfeitas com publicações em Globês (um tipo de inglês internacional simplificado). Existem vários artigos sobre esse fenômeno linguístico, seja no Financial Times, The New Yorker e muitos outros.

E aí, "culpamos" a má qualidade do Google Tradutor? Podemos apontar o dedo para as agências de tradução que pagam aos tradutores independentes o equivalente ao salário mínimo, ao mesmo tempo em que reiteramos a doce promessa de continuar com o trabalho? O que podemos dizer sobre a multiplicidade de sites que oferecem entrega de traduções à velocidade da luz?

Algumas dessas agências ou empresas de "tradução super-rápida" usam máquinas para iniciar o trabalho. Sim, a máquina é capaz de fazer maravilhosamente as tarefas repetitivas! Adoramos evitar o trabalho chato. Essas "empresas" geram sem culpa textos com traduções automatizadas e, em seguida, contatam tradutores humanos reais para arrumar a bagunça,então entregam o produto ao cliente e recebem o pagamento devido. 

Naturalmente, consideram que o que pedem ao tradutor humano para fazer seja "editar" ou "corrigir" a tradução, e a baixíssima taxa oferecida por eles reflete essa consideração. No entanto, dependendo do assunto e do estilo no documento original, a tarefa de limpeza geralmente leva mais tempo do que fazer toda a tradução de A para Z. Por quê? Termos e tempos verbais mudam sutilmente de idioma para idioma, e a máquina não sabe qual deles selecionar.

Os tempos de verbos não são idênticos de um idioma para outro, então, quando um robô faz o trabalho, não é apenas a gramática básica e o "significado" que se tornam fracos, mas boa parcela da precisão pode ser perdida com o clique de um botão.

Vejamos um exemplo simples. Um anglófono não entende: "Ladrões têm tomado os diamantes e o dinheiro" e "Ladrões tomaram os diamantes e o dinheiro" como sendo exatamente a mesma mensagem. Enquanto em francês, por exemplo, o tempo do verbo seria o mesmo e o escritor provavelmente explicaria o atual paradeiro dos diamantes e do dinheiro por outros meios: provavelmente adicionando palavras ou uma frase.
Da mesma forma, em inglês, geralmente não usamos mais o 'um' para evitar a seleção de um pronome.

Por exemplo: um roubou minha carteira / Alguém roubou minha carteira / (Voz passiva) Minha carteira foi roubada.

Há muito mais a dizer sobre o uso excessivo da voz passiva e outras gafes  que devem ser evitadas para obter-se o que consideramos "bom inglês". Uma máquina nem sempre consegue detectar com precisão tais sutilezas ou, mais importante, não pode reescrever a sentença de modo que realmente faça sentido para o leitor.

É verdade que é simpático, colorido e divertido pedir um 'Apple Grumble'. Este tipo de "colorido" próprio do local é deliciosamente maravilhoso. Talvez nunca deva mudar!

Então, enquanto todos continuamos aplaudindo a cor e o charme das peculiaridades de cada lugar - mesmo com os erros -, lembremos de aplaudir a excelência linguística também! Cada coisa a seu tempo é uma boa filosofia.
O inglês está "em todos os lugares", mas não é necessário que sofra tanto justamente por esse sucesso ...

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