segunda-feira, 16 de abril de 2018

Entrevista: N. Kalyan Raman - A qualidade de uma tradução




Uma tradução terá, no máximo, a mesma qualidade do tradutor que a produziu

Bhumika Popli 7 de abril, de 2018
N. Kalyan Raman.

O renomado tradutor N. Kalyan Raman, que dedica sua carreira a tornar a literatura tâmil acessível ao leitor anglófono, fala com Bhumika Popli sobre a arte da tradução.

P. Como você escolhe os livros que quer traduzir?
R. Isso pode acontecer de várias maneiras. Muitas vezes faço a escolha através da interação direta com o autor. Às vezes, o editor, depois de ter comprado os direitos de tradução, faz o contato comigo. Por vezes eu escolho o trabalho e me aproximo do autor para solicitar a permissão. Nos três casos, a decisão de traduzir uma determinada obra é influenciada apenas pela minha resposta à ela como leitor, e pela percepção pessoal de sua importância no domínio literário pan-indiano. Descobri que é muito importante para mim levar tal envolvimento e convicção ao processo de tradução. Outros no meio - tradutores, editores de comissionamento, detentores de direitos sobre as obras originais, autores e até mesmo aqueles que atuam como “informantes nativos” - também são movidos, principalmente, pelas mesmas considerações de significado literário do trabalho escolhido para a tradução.
Com base em iniciativas individuais e no poder das redes, essas escolhas, agregadas ao ambiente, dificilmente garantem que os melhores trabalhos em uma determinada língua sejam priorizados para a tradução. O mesmo vale para obras novas e importantes, especialmente por escritores mais jovens. Eu gostaria que as escolhas tivessem uma participação mais ampla, e incluíssem uma série de opiniões. Talvez devêssemos avançar nessa direção.
P. O relacionamento escritor-tradutor é cheio de ansiedade e ceticismo. Um escritor fica apreensivo com a qualidade da tradução de seu trabalho, sobre sua eficácia em transmitir a intenção e as nuances do original. Você já teve que encarar isso como um tradutor, e se sim, como superar esses obstáculos?
R. Sim. Como disse Hegel, “a natureza do espírito é a ansiedade”. Portanto, a ansiedade de um escritor é de se esperar. A maioria dos autores com quem trabalhei não impôs tais ansiedades no processo de tradução, e eu lhes agradeço. Na minha opinião, uma intervenção arrogante do autor não é desejável. Dito isso, o tradutor está tentando replicar a voz do autor e se posicionar no trabalho. Por isso, é de grande ajuda conhecer o autor em um sentido mais amplo, seja pessoalmente ou por meio de outros escritos, alguns dos quais podem ser autobiográficos. Também é útil se o autor revisar o texto, fazendo sugestões e comentários. Em todos os momentos, o tradutor é que deverá ter controle absoluto sobre o texto.
Uma tradução pode ser tão boa quanto o tradutor que a produz, e o autor não pode compensar de forma realista qualquer deficiência grave. De qualquer forma, todas as traduções são provisórias e sempre há espaço para outro tradutor produzir algo melhor do mesmo trabalho.
P. Quando você começou como tradutor, teve que ler muitos textos traduzidos, ou resolveu empreender por um caminho diferente?
A. Quando estava começando, ler textos traduzidos de idiomas indianos ajudou a me convencer de que realmente poderia fazer aquilo, e tornou a tradução real para mim. Ler textos traduzidos também me ajudou a evoluir meus padrões, inicialmente. Depois disso, não aprendi e não aprendo muito lendo textos traduzidos de línguas indianas, embora eu goste de lê-los, muitas vezes com um olhar crítico. A tradução é profundamente pessoal, assim como a escrita criativa. Um tradutor traz para o processo de tradução não apenas sua sensibilidade com relação à linguagem e literatura, mas também tudo o que ele aprendeu e experimentou em sua vida até aquele ponto.
Pergunta: Você poderia nos dizer qual deve ser a abordagem do tradutor com certas palavras fonéticas que são intraduzíveis?
A. Por palavras fonéticas, se você quer dizer palavras onomatopaicas, sempre há maneiras de expressá-las. É importante lembrar que a tradução de tais palavras não precisa necessariamente ser onomatopaica, embora seja divertido encontrar um equivalente similar. Este é realmente um dos muitos problemas técnicos para os quais os tradutores buscam e encontram soluções o tempo todo.
P. Entre poesia e ficção, qual forma é mais difícil de traduzir?
R. Toda tradução é difícil, e a tradução da poesia agrega uma ordem diferente de dificuldade, envolvendo uma linguagem altamente compactada, destilada à sua essência, e toda uma performance da cadência e do ritmo em uma nova linguagem. Encontrei a observação de Edith Grossman de que um poema traduzido, embora ligado ao original, é um enunciado totalmente novo, muito útil. Na verdade, é a única maneira de um tradutor honrar e cumprir os requisitos estéticos do trabalho, ousando criar um novo poema no idioma de destino.
Na ficção, características “invisíveis” como a estrutura narrativa e as qualidades tonais da fala podem ser bastante difíceis de reproduzir de forma eficaz. Todas as narrativas ficcionais de sucesso, ao não se estenderem por demais, trabalham com a imaginação do leitor. Eu diria que isso, também, é um grande desafio para os tradutores.
P. Quais são as novas possibilidades criativas quando dois idiomas - no seu caso, tâmil e inglês - se juntam?
R. Eles não se misturam até que o ethos e os ritmos culturais da língua de origem (tâmil) entram no idioma alvo (inglês), enriquecendo e expandindo o escopo deste último. Acho que esse é o aspecto mais esteticamente agradável de ler um texto traduzido. Se o leitor é generoso de espírito, também poderá se maravilhar com isso.
P. Você traduziu livros de Ashokamitran e, mais recentemente, Poonachi por Perumal Murugan. Quais foram as semelhanças ou diferenças observadas nas obras desses dois escritores?
R. Posso falar disso por uma hora ou mais, mas vou me limitar aqui a algumas breves observações. Ashokamitran
traz a complexidade de pessoas e situações descrevendo a superfície dos eventos. Muito é deixado por dizer. Sua linguagem é muito econômica e os detalhes em suas descrições são mínimos, mas reveladores. O cenário de suas histórias é, em grande parte, urbano.
O mundo da ficção de Perumal Murugan é o Kongunadu rural, onde as vidas de seus personagens estão ligadas profundamente às características da paisagem e fauna que vaga por lá. Ele também usa uma linguagem moderna, mas flexionada pelo dialeto regional, especialmente em seu discurso. Em uma paisagem dominada pela natureza, pessoas e situações são descritas de maneira mais vívida, através de uma linguagem que permanece simples e elementar.
P. Enquanto tradutor, como você se prepara ao mudar de um autor para outro?
R. Até suponho que me prepare, mas não conscientemente. O processo com cada autor é o mesmo: ler com atenção e tentar reproduzir a voz autoral no texto. Obviamente, isso não pode ser feito com dois autores simultaneamente. Eu sempre vou preferir que não.
P. Qual seria um bom ponto de partida para aqueles que querem se familiarizar com a literatura tâmil?
A. Para um leitor nativo da linguagem, é bastante simples. Eles fazem parte da vida da comunidade e têm inúmeras fontes de conhecimento e experiência que podem contribuir para a compreensão da literatura tâmil contemporânea.
Para um leitor não-tâmil de textos traduzidos do tâmil, o discurso literário que contextualize esses textos ao longo das dimensões históricas, sociológicas e ideológicas é muito importante. É particularmente assim para a comunidade de leitores indianos anglófonos, que podem ser tão incrivelmente diversos em termos de sua disposição em relação à vida e à literatura indiana. Infelizmente, tais discursos sobre textos traduzidos é muito escasso e limitado. E na minha opinião, não conseguem fazer o trabalho de forma cativante e eficaz. Não há espaço suficiente para tais discursos. Além disso, a complexa rede do sistema que mantém e controla nossos discursos anglófonos impediu o surgimento de vozes mais novas e melhor informadas vindas das esferas do idioma indiano, e onde elas surgiram, não são levadas suficientemente a sério. Então, enquanto leitor interessado, você pode começar pressionando por uma postura melhor e mais aberta sobre textos traduzidos, e aí esperar chegar a algum lugar.
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