segunda-feira, 12 de março de 2018

GLOBISH - A universalização da língua inglesa



Globês para iniciantes

Se o mundo inteiro falar inglês, ainda será inglês?



Em 1834, Thomas Babington Macaulay, historiador e estadista britânico, chegou a Madras. Ele viajou para o norte, até Calcutá, depois à capital da Índia, para assumir o papel de Diretor do Conselho Geral de Governo. "Sabemos que a Índia não pode ter um governo livre", escrevera Macaulay ao filósofo escocês James Mill no ano anterior. "Mas pode ter a segunda melhor coisa: um despotismo firme e imparcial." 

Alguns meses depois, Macaulay redigiu um memorando sobre a educação indiana, afirmando: "É impossível para nós, com nossos meios limitados, tentar educar toda uma população. Deveremos, no momento, fazer o nosso melhor para formar uma classe que possa ser intérprete entre nós e os milhões os quais governamos; uma classe de pessoas, indianas em sangue e cor, mas inglesas em gosto, em opiniões, em moral e no intelecto. "  A implicação era óbvia: os indianos deveriam aprender a linguagem de seus ocupantes.

Com o apoio de Macaulay, as escolas instruíram os estudantes indianos em inglês, uma linguagem que oferecia "acesso imediato à toda uma vasta riqueza intelectual, que todas as nações mais sábias da Terra criaram e acumularam ao longo de noventa gerações", enquanto o sânscrito e o árabe ofereciam apenas "gosto duvidoso e filosofia falsa." 

Em 1840, de acordo com o biógrafo de Macaulay, Robert E. Sullivan, "o inglês era o idioma dominante em Calcutá." Em 1857, foram abertas universidades de língua inglesa em Madras, Bombaim e Calcutá. A Visão Macaulay de uma classe independente de indianos anglófonos tornara-se uma realidade.

Mas tal desenvolvimento teve suas ironias: 1857 também foi o ano em que soldados indianos se rebelaram contra regras centenárias da Companhia das Índias Ocidentais. O levante foi impiedosamente derrotado, mas o choque provocado em Londres causou a dissolução da Companhia e o estabelecimento da Regulação Real (Raj britânico). 

A rebelião agora é considerada por muitos indianos como a primeira guerra de independência. Além disso, as gerações de líderes surgida no movimento, na sequência da rebelião, tendia a ser formada por falantes de inglês - precisamente a "classe" imaginada por Macaulay. Em 1950, a constituição indiana foi ratificada; e estava escrita em inglês.

A epopeia do inglês na Índia simboliza a estranha história dessa língua. O inglês tem sido o idioma de conquistadores e imperialistas, mas também o de insurgentes e democratas. Com frequência foi moldado por populações às quais fora imposto; um grande número de palavras comuns do inglês ("selva", "nirvana", "bangalô") foram, por exemplo, tiradas das línguas faladas na Índia. 

O inglês também se tornou, como Robert McCrum afirma em "Globish" (Norton, $ 26.95), a "linguagem do mundo", e é um mérito desse livro ter alertado sobre as muitas dicotomias da globalização do inglês. "Essa revolução é uma criatura da globalização?", ele pergunta, "ou o capitalismo mundial deve sua energia e resiliência ao inglês global em todas as suas manifestações, tanto culturais quanto linguísticas?"

"Globês" não é o mesmo que inglês globalizado. O termo foi cunhado por Jean-Paul Nerrière, ex-executivo francês da IBM, que observou que falantes não-nativos do inglês eram capazes de se comunicar com um vocabulário "utilitário" mínimo de palavras inglesas. McCrum, autor e editor britânico que co-escreveu várias edições de "The Story of English", explica que o Globês é um fenômeno esmagadoramente econômico - a linguagem dos empresários de Cingapura fechando negócios com a ajuda de um pequeno arsenal de palavras em inglês, e de autoridades europeias acalmando os mercados financeiros proferindo frases prontas na televisão. 
Ele oferece um relato jornalístico do uso mundial, em conjunto com um histórico do desenvolvimento do inglês ao redor do mundo. Tal histórico mostra a profundidade e a complexidade do papel do inglês na evolução política e cultural das sociedades nas quais se espalhou. É improvável que a influência do Globês seja tão revolucionária ou duradoura.

McCrum começa com o local de nascimento do inglês, que, como George Orwell observou, sempre teve várias denominações sobrepostas: "Chamamos nossas ilhas por pelo menos seis nomes diferentes, Inglaterra, Bretanha, Grã-Bretanha, Ilhas Britânicas, Reino Unido e, em momentos muito exaltados, Albion." A história responsável por essa diversidade - sobre as sucessivas invasões - também assegurou que a linguagem se desenvolvesse de forma incomum. 

A ocupação romana, desde 43 AC até o início do século V, acostumou os ilhéus de língua celta ao latim, que logo se tornou o idioma da elite romano-britânica. A influência disso ainda é evidente na topografia do inglês; por exemplo, a palavra latina para acampamento é castra, que é a razão pela qual tantos nomes de lugares britânicos terminam em "-chester" ou "-cester." 

A retirada dos romanos foi seguida pelas incursões de falantes germânicos vindos do que é agora o norte da Alemanha e a Dinamarca, levando ao surgimento do inglês anglo-saxão ou inglês antigo. McCrum explica: "Todo mundo que fala ou escreve qualquer tipo de inglês no século XXI está usando expressões, gramática e vocabulário, que, com várias modificações, podem ser rastreados em uma linhagem direta ao inglês antigo dos anglo-saxões. " 

No século IX, Alfredo, o Grande, enxergou o idioma como uma forma de unir vários reinos anglo-saxões contra a ameaça das invasões vikings. Ele ordenou a tradução de vários textos latinos para o inglês, reconhecendo, como Macaulay, a importância de envolver os jovens na sua língua de escolha.

Em 1066, a invasão normanda estabeleceu o francês como língua oficial, mas tal fato não desbancou o inglês. Em vez disso, a assimilação pelo inglês de elementos do francês, produziu o inglês médio e, com ele, o perfil básico da linguagem que ainda falamos: um grande vocabulário de palavras germânicas e derivadas de francês organizadas por uma gramática germânica simplificada. 

A partir daí, as mudanças foram incrementais. No século XVI, a ampla circulação das traduções em inglês tanto da Bíblia como do Livro de Orações Diárias trouxeram um novo grau de padronização. A evolução da literatura nacional é testemunha dessa transformação. 

Como McCrum observa, Chaucer é difícil para os leitores contemporâneos, mas Shakespeare, dois séculos depois, é muito mais inteligível. Além disso, o grande florescimento linguístico proporcionado por Shakespeare e seus contemporâneos coincidiu com a transformação da Grã-Bretanha em uma significativa potência marítima. A linguagem dos conquistados agora era usada a serviço do império em não menos do que treze colônias do Atlântico.

O colonialismo britânico estabeleceu firmemente o inglês nos territórios que agora compõem os Estados Unidos, mas as distinções entre o inglês americano e o britânico são tão importantes quanto todo o patrimônio compartilhado. Escritores na Inglaterra costumam brincar e rir com essas diferenças. Wilde escreveu: "Nós realmente temos tudo em comum com a América hoje em dia, exceto, claro, a linguagem", e Shaw falou de "duas nações divididas por uma linguagem comum." 

Por trás das piadas, no entanto, reside uma história radical. McCrum mostra como norte-americanos muito descontentes com as regras britânicas, deliberadamente forjaram um inglês americano claramente distinto. Thomas Jefferson escreveu: "Novas circunstâncias exigem novas palavras, novas frases e a migração de palavras antigas para novos objetos." De acordo com Benjamin Rush, o inglês americano era uma língua que evitava "o estilo empolado de Johnson, o brilho extravagante de Gibbon." 

Em 1789, Noah Webster incentivou a reforma ortográfica e de vocabulário, escrevendo que "a Grã-Bretanha, de quem somos filhos, e cujo idioma falamos, não deve ser mais o nosso padrão; o gosto de seus escritores já está corrompido, e sua linguagem declina. " O novo estilo americano, conscientemente direto, foi adotado pelo inglês Thomas Paine em seus panfletos. A Constituição, que McCrum chama de "triunfo da síntese", é outro exemplo do impacto duradouro do inglês americano.

Mas o inglês é, de alguma forma, inerentemente democrático e acolhedor para a liberdade e a criatividade? A Constituição seria um documento tão liberal, se a população da Grã-Bretanha falasse espanhol ou francês? McCrum tenta lidar com isso de duas formas: "A linguagem se torna mais do que apenas um meio essencial de comunicação; incorpora aspirações contemporâneas, expressando vontade de surgir com novas ideias, adaptar usos antigos e dar voz às pessoas modernas. A linguagem, não pode ser extremamente rígida, mas intrinsecamente neutra, e não há contradição em afirmar que o inglês - em virtude de suas origens e história - é único. " No entanto, há uma contradição aqui, e aparece mais tarde quando McCrum escreve que o inglês está "do lado do indivíduo" e cita o louvor de Voltaire sobre sua "naturalidade", "energia" e "ousadia." Se os idiomas são "intrinsecamente neutros", então o inglês simplesmente não pode ser tudo isso.

Alguns argumentaram que o inglês tem certas propriedades - uma gramática flexível, a ausência de formas masculinas e femininas - que facilitam a aprendizagem e, portanto, a exportação. Essas qualidades, porém, são compensadas por uma ortografia arbitrária e, além disso, existem outras línguas, como o russo, que se espalharam apesar de serem difíceis de dominar. Os exércitos e marinhas são, em última instância, mais importantes do que a mecânica sintática no estabelecimento da disseminação de um idioma. Provavelmente, o inglês estava no lugar certo no momento certo.

McCrum segue sua história com uma pesquisa mundial do Globês. Há relatos de call centers e trabalhos terceirizados e uma visita bem detalhada à "Esquina inglesa" da Universidade Informal de Pequim, onde os alunos passam suas noites de sexta-feira discutindo tudo, desde a Praça Tiananmen até os filmes de Hugh Grant. Essas histórias são atraentes, mas tendem a misturar o Globês rudimentar e utilitário com o inglês. Os estudantes chineses que se reúnem para discutir Hugh Grant estão buscando competência linguística e cultural muito maior do que a exigida pelos call centers. 

O problema se repete na discussão de McCrum sobre a Índia. Ele escreve sobre o romancista nascido na Índia Kiran Desai, mas os feitos do escritor da Commonwealth no inglês literário claramente têm pouco a ver com o fenômeno contemporâneo do Globês, e é difícil evitar a sensação de que McCrum simplesmente tem mais interesse no primeiro.

Nerrière, o criador do termo "Globês", diz a McCrum que o maior impacto do Globês será "limitar dramaticamente a influência da língua inglesa"; as pessoas não precisarão aprender inglês quando podem contar com o Globês. Isso agradaria aos linguistas; temerosos de que a propagação do inglês ponha em perigo a sobrevivência de outras línguas. Mas a ideia é questionável. É verdade que a história linguística está cheia de línguas marginais, que facilitaram a comunicação básica entre grupos diferentes, mas não impediram que ninguém falasse o próprio idioma. 

No entanto, tais marginalidades costumam evoluir em situações nas quais os falantes de línguas específicas - português e tamil, digamos - precisem se comunicar com um propósito claramente definido, geralmente para comercializar. 

Talvez o Globês não passe de um "marginal" internacional, mas a facilidade das viagens modernas e o enorme alcance da mídia eletrônica aumentaram consideravelmente os tipos de interações agora possíveis. Para muitas pessoas, apenas o tal Globês não será suficiente. Elas vão querer aprender o verdadeiro inglês.

Em uma recente viagem à Índia, gastei alguns dias em Chennai (a antiga Madras de Macaulay), local em que as livrarias de língua inglesa testemunharam um tipo de relação simbiótica com o entusiasmo anglo-americano pela literatura indiana. Tanto o Globês quanto o inglês prosperavam, mas foi o único registro do tipo. A maioria dos jovens está agora tendendo a falar apenas o inglês, sendo que um estudante adolescente me informou que até mesmo os adultos que antes só falavam tamil, o idioma local, começam a se expressar em tanglês com os próprios filhos. Quando eu disse que as pessoas na América se referiam ao termo "espanglês", ele me pareceu decepcionado de que o chamado "código-intercambiável" não era um fenômeno exclusivamente indiano. Perguntei a uma professora como ela se comunicava com os indianos não-falantes do tamil - cerca de 1 bilhão de pessoas - "Inglês, é claro", foi a resposta.

Macaulay continua a ser uma figura muito discutida na Índia, mas ele entendia aonde suas políticas o levariam. Sabia que a independência indiana não tardaria, mas queria estar seguro de que a classe certa de pessoas estivessem no poder quando os ingleses partissem, mas deixando como herança "o eterno império de nossas artes, nossa moral, literatura e leis." Em 2006, um proeminente ativista da subclasse dalit da Índia elogiou as iniciativas educacionais de Macaulay, argumentando que a língua inglesa tinha o poder de emancipar os indianos de baixas castas. Claro que argumentos contrários podem ser feitos: a falta de uma educação inglesa poderia perpetuar a miséria de muitos indianos. Ainda assim, na medida em que a Índia, com suas muitas línguas e culturas, persiste como uma entidade nacional coesa, o método de Macaulay desempenha um papel importante. E a história da índia, assim como a americana, não é sobre o globês; e sim sobre o idioma inglês.


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