Globês para iniciantes
Se o mundo inteiro falar inglês, ainda será inglês?
Por
Isaac
Chotiner
Em
1834, Thomas Babington Macaulay, historiador e estadista britânico,
chegou a Madras. Ele viajou para o norte, até Calcutá, depois à
capital da Índia, para assumir o papel de Diretor do Conselho Geral
de Governo. "Sabemos que a Índia não pode ter um governo
livre", escrevera Macaulay ao filósofo escocês James Mill no
ano anterior. "Mas pode ter a segunda melhor coisa: um
despotismo firme e imparcial."
Alguns meses depois, Macaulay redigiu um memorando sobre a educação indiana, afirmando: "É
impossível para nós, com nossos meios limitados, tentar educar toda
uma população. Deveremos, no momento, fazer o nosso melhor para
formar uma classe que possa ser intérprete entre nós e os milhões os quais governamos; uma classe de pessoas, indianas em sangue e cor,
mas inglesas em gosto, em opiniões, em moral e no intelecto. " A implicação era óbvia: os indianos deveriam aprender a linguagem
de seus ocupantes.
Com
o apoio de Macaulay, as escolas instruíram os estudantes indianos em
inglês, uma linguagem que oferecia "acesso imediato à toda uma
vasta riqueza intelectual, que todas as nações mais sábias da
Terra criaram e acumularam ao longo de noventa gerações",
enquanto o sânscrito e o árabe ofereciam apenas "gosto
duvidoso e filosofia falsa."
Em 1840, de acordo com o biógrafo
de Macaulay, Robert E. Sullivan, "o inglês era o idioma
dominante em Calcutá." Em 1857, foram abertas universidades de
língua inglesa em Madras, Bombaim e Calcutá. A Visão Macaulay de
uma classe independente de indianos anglófonos tornara-se uma
realidade.
Mas
tal desenvolvimento teve suas ironias: 1857 também foi o ano em que
soldados indianos se rebelaram contra regras centenárias da
Companhia das Índias Ocidentais. O levante foi impiedosamente
derrotado, mas o choque provocado em Londres causou a dissolução da
Companhia e o estabelecimento da Regulação Real (Raj britânico).
A
rebelião agora é considerada por muitos indianos como a primeira
guerra de independência. Além disso, as gerações de líderes surgida no movimento, na sequência da rebelião, tendia a ser
formada por falantes de inglês - precisamente a "classe"
imaginada por Macaulay. Em 1950, a constituição indiana foi
ratificada; e estava escrita em inglês.
A
epopeia do inglês na Índia simboliza a estranha história dessa
língua. O inglês tem sido o idioma de conquistadores e
imperialistas, mas também o de insurgentes e democratas. Com
frequência foi moldado por populações às quais fora imposto; um
grande número de palavras comuns do inglês ("selva",
"nirvana", "bangalô") foram, por exemplo,
tiradas das línguas faladas na Índia.
O inglês também se tornou,
como Robert McCrum afirma em "Globish" (Norton, $ 26.95), a
"linguagem do mundo", e é um mérito desse livro ter
alertado sobre as muitas dicotomias da globalização do inglês.
"Essa revolução é uma criatura da globalização?", ele
pergunta, "ou o capitalismo mundial deve sua energia e
resiliência ao inglês global em todas as suas manifestações,
tanto culturais quanto linguísticas?"
"Globês"
não é o mesmo que inglês globalizado. O termo foi cunhado por
Jean-Paul Nerrière, ex-executivo francês da IBM, que observou que
falantes não-nativos do inglês eram capazes de se comunicar com um
vocabulário "utilitário" mínimo de palavras inglesas.
McCrum, autor e editor britânico que co-escreveu várias edições
de "The Story of English", explica que o Globês é um
fenômeno esmagadoramente econômico - a linguagem dos empresários
de Cingapura fechando negócios com a ajuda de um pequeno arsenal de
palavras em inglês, e de autoridades europeias acalmando os mercados
financeiros proferindo frases prontas na televisão.
Ele oferece um
relato jornalístico do uso mundial, em conjunto com um histórico do
desenvolvimento do inglês ao redor do mundo. Tal histórico mostra a
profundidade e a complexidade do papel do inglês na evolução
política e cultural das sociedades nas quais se espalhou. É
improvável que a influência do Globês seja tão revolucionária ou
duradoura.
McCrum
começa com o local de nascimento do inglês, que, como George Orwell
observou, sempre teve várias denominações sobrepostas: "Chamamos
nossas ilhas por pelo menos seis nomes diferentes, Inglaterra,
Bretanha, Grã-Bretanha, Ilhas Britânicas, Reino Unido e, em
momentos muito exaltados, Albion." A história responsável por
essa diversidade - sobre as sucessivas invasões - também assegurou
que a linguagem se desenvolvesse de forma incomum.
A ocupação
romana, desde 43 AC até o início do século V, acostumou os ilhéus
de língua celta ao latim, que logo se tornou o idioma da elite
romano-britânica. A influência disso ainda é evidente na
topografia do inglês; por exemplo, a palavra latina para acampamento
é castra,
que é a razão pela qual tantos nomes de lugares britânicos
terminam em "-chester" ou "-cester."
A retirada
dos romanos foi seguida pelas incursões de falantes germânicos
vindos do que é agora o norte da Alemanha e a Dinamarca, levando ao
surgimento do inglês anglo-saxão ou inglês antigo. McCrum explica:
"Todo mundo que fala ou escreve qualquer tipo de inglês no
século XXI está usando expressões, gramática e vocabulário, que,
com várias modificações, podem ser rastreados em uma linhagem
direta ao inglês antigo dos anglo-saxões. "
No século IX,
Alfredo, o Grande, enxergou o idioma como uma forma de unir vários
reinos anglo-saxões contra a ameaça das invasões vikings. Ele
ordenou a tradução de vários textos latinos para o inglês,
reconhecendo, como Macaulay, a importância de envolver os jovens na
sua língua de escolha.
Em
1066, a invasão normanda estabeleceu o francês como língua
oficial, mas tal fato não desbancou o inglês. Em vez disso, a
assimilação pelo inglês de elementos do francês, produziu o
inglês médio e, com ele, o perfil básico da linguagem que ainda
falamos: um grande vocabulário de palavras germânicas e derivadas
de francês organizadas por uma gramática germânica simplificada.
A
partir daí, as mudanças foram incrementais. No século XVI, a ampla
circulação das traduções em inglês tanto da Bíblia como do
Livro de Orações Diárias trouxeram um novo grau de padronização.
A evolução da literatura nacional é testemunha dessa
transformação.
Como McCrum observa, Chaucer é difícil para os
leitores contemporâneos, mas Shakespeare, dois séculos depois, é
muito mais inteligível. Além disso, o grande florescimento
linguístico proporcionado por Shakespeare e seus contemporâneos
coincidiu com a transformação da Grã-Bretanha em uma significativa
potência marítima. A linguagem dos conquistados agora era usada a
serviço do império em não menos do que treze colônias do
Atlântico.
O
colonialismo britânico estabeleceu firmemente o inglês nos
territórios que agora compõem os Estados Unidos, mas as distinções
entre o inglês americano e o britânico são tão importantes quanto
todo o patrimônio compartilhado. Escritores na Inglaterra costumam
brincar e rir com essas diferenças. Wilde escreveu: "Nós
realmente temos tudo em comum com a América hoje em dia, exceto,
claro, a linguagem", e Shaw falou de "duas nações
divididas por uma linguagem comum."
Por trás das piadas, no
entanto, reside uma história radical. McCrum mostra como
norte-americanos muito descontentes com as regras britânicas,
deliberadamente forjaram um inglês americano claramente distinto.
Thomas Jefferson escreveu: "Novas circunstâncias exigem novas
palavras, novas frases e a migração de palavras antigas para novos
objetos." De acordo com Benjamin Rush, o inglês americano era
uma língua que evitava "o estilo empolado de Johnson, o brilho
extravagante de Gibbon."
Em 1789, Noah Webster incentivou a
reforma ortográfica e de vocabulário, escrevendo que "a
Grã-Bretanha, de quem somos filhos, e cujo idioma falamos, não deve
ser mais o nosso padrão; o gosto de seus escritores já está
corrompido, e sua linguagem declina. " O novo estilo americano,
conscientemente direto, foi adotado pelo inglês Thomas Paine em seus
panfletos. A Constituição, que McCrum chama de "triunfo da
síntese", é outro exemplo do impacto duradouro do inglês
americano.
Mas
o inglês é, de alguma forma, inerentemente democrático e acolhedor
para a liberdade e a criatividade? A Constituição seria um
documento tão liberal, se a população da Grã-Bretanha falasse
espanhol ou francês? McCrum tenta lidar com isso de duas formas: "A
linguagem se torna mais do que apenas um meio essencial de
comunicação; incorpora aspirações contemporâneas, expressando
vontade de surgir com novas ideias, adaptar usos antigos e dar voz às
pessoas modernas. A linguagem, não pode ser extremamente rígida,
mas intrinsecamente neutra, e não há contradição em afirmar que o
inglês - em virtude de suas origens e história - é único. "
No entanto, há uma contradição aqui, e aparece mais tarde quando
McCrum escreve que o inglês está "do lado do indivíduo"
e cita o louvor de Voltaire sobre sua "naturalidade",
"energia" e "ousadia." Se os idiomas são
"intrinsecamente neutros", então o inglês simplesmente
não pode ser tudo isso.
Alguns
argumentaram que o inglês tem certas propriedades - uma gramática
flexível, a ausência de formas masculinas e femininas - que
facilitam a aprendizagem e, portanto, a exportação. Essas
qualidades, porém, são compensadas por uma ortografia arbitrária
e, além disso, existem outras línguas, como o russo, que se
espalharam apesar de serem difíceis de dominar. Os exércitos e
marinhas são, em última instância, mais importantes do que a
mecânica sintática no estabelecimento da disseminação de um
idioma. Provavelmente, o inglês estava no lugar certo no momento
certo.
McCrum
segue sua história com uma pesquisa mundial do Globês. Há relatos
de call centers e trabalhos terceirizados e uma visita bem detalhada
à "Esquina inglesa" da Universidade Informal de Pequim,
onde os alunos passam suas noites de sexta-feira discutindo tudo,
desde a Praça Tiananmen até os filmes de Hugh Grant. Essas
histórias são atraentes, mas tendem a misturar o Globês rudimentar
e utilitário com o inglês. Os estudantes chineses que se reúnem
para discutir Hugh Grant estão buscando competência linguística e
cultural muito maior do que a exigida pelos call centers.
O problema
se repete na discussão de McCrum sobre a Índia. Ele escreve sobre o
romancista nascido na Índia Kiran Desai, mas os feitos do escritor
da Commonwealth no inglês literário claramente têm pouco a ver com
o fenômeno contemporâneo do Globês, e é difícil evitar a
sensação de que McCrum simplesmente tem mais interesse no primeiro.
Nerrière,
o criador do termo "Globês", diz a McCrum que o maior
impacto do Globês será "limitar dramaticamente a influência
da língua inglesa"; as pessoas não precisarão aprender inglês
quando podem contar com o Globês. Isso agradaria aos linguistas;
temerosos de que a propagação do inglês ponha em perigo a
sobrevivência de outras línguas. Mas a ideia é questionável. É
verdade que a história linguística está cheia de línguas
marginais, que facilitaram a comunicação básica entre grupos
diferentes, mas não impediram que ninguém falasse o próprio
idioma.
No entanto, tais marginalidades costumam evoluir em situações
nas quais os falantes de línguas específicas - português e tamil,
digamos - precisem se comunicar com um propósito claramente
definido, geralmente para comercializar.
Talvez o Globês não passe
de um "marginal" internacional, mas a facilidade das
viagens modernas e o enorme alcance da mídia eletrônica aumentaram
consideravelmente os tipos de interações agora possíveis. Para
muitas pessoas, apenas o tal Globês não será suficiente. Elas vão
querer aprender o verdadeiro inglês.
Em
uma recente viagem à Índia, gastei alguns dias em Chennai (a antiga
Madras de Macaulay), local em que as livrarias de língua inglesa
testemunharam um tipo de relação simbiótica com o entusiasmo
anglo-americano pela literatura indiana. Tanto o Globês quanto o
inglês prosperavam, mas foi o único registro do tipo. A maioria dos
jovens está agora tendendo a falar apenas o inglês, sendo que um
estudante adolescente me informou que até mesmo os adultos que antes
só falavam tamil, o idioma local, começam a se expressar em tanglês
com os próprios filhos. Quando eu disse que as pessoas na América
se referiam ao termo "espanglês", ele me pareceu
decepcionado de que o chamado "código-intercambiável" não
era um fenômeno exclusivamente indiano. Perguntei a uma professora
como ela se comunicava com os indianos não-falantes do tamil - cerca
de 1 bilhão de pessoas - "Inglês, é claro", foi a
resposta.
Macaulay
continua a ser uma figura muito discutida na Índia, mas ele entendia
aonde suas políticas o levariam. Sabia que a independência indiana
não tardaria, mas queria estar seguro de que a classe certa de
pessoas estivessem no poder quando os ingleses partissem, mas
deixando como herança "o eterno império de nossas artes, nossa
moral, literatura e leis." Em 2006, um proeminente ativista da
subclasse dalit
da
Índia elogiou as iniciativas educacionais de Macaulay, argumentando
que a língua inglesa tinha o poder de emancipar os indianos de
baixas castas. Claro que argumentos contrários podem ser feitos: a
falta de uma educação inglesa poderia perpetuar a miséria de
muitos indianos. Ainda assim, na medida em que a Índia, com suas
muitas línguas e culturas, persiste como uma entidade nacional
coesa, o método de Macaulay desempenha um papel importante. E a
história da índia, assim como a americana, não é sobre o globês;
e sim sobre o idioma inglês.
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