segunda-feira, 19 de março de 2018

Desigualdade e Crime


Como a crescente desigualdade prejudica a todos, até mesmo os ricos

Estudos mostram que, a longo prazo, mais desigualdade significa menos riqueza para todos

Por Christopher Ingraham
Ao longo dos últimos 40 anos, a economia americana carreou riqueza e renda no estilo Robin Hood às avessas; dos bolsos dos 99% menos afortunados para os cofres dos 1% mais abonados. A transferência total para os mais ricos equivale a 10% da renda nacional e cerca de 15% da riqueza do país. 

Essa enorme concentração de riqueza e renda entre os ricos colocou os Estados Unidos em níveis de desigualdade jamais vistos no país desde antes da Segunda Guerra Mundial. É uma tendência que os economistas, como Thomas Piketty, acreditam que continuará sem controle nas próximas décadas, com 1% dos americanos capturando um quarto ou mais da renda nacional até 2030.
A questão é, obviamente, entendida como um problema para aqueles que têm menos, e certamente o é. Mas estudos recentes demonstram que a desigualdade é ruim para todos na sociedade.
Algumas das dores são econômicas: os estudos sugerem que a desigualdade deprime o crescimento econômico, disponibilizando menos para ser dividido pela sociedade - independentemente de como seus membros decidam fazê-lo. Algumas são sociais: estudos descobriram que a desigualdade, particularmente o alto nível observado nos atuais Estados Unidos, dá origem a comportamentos criminosos.
Esses efeitos podem morder um pedaço de seu contra-cheque, independentemente de você estar dentre os 99% do fundo, ou no topo do 1%. Importantes economistas e organizações econômicas estão chegando à conclusão de que para maximizar os ganhos e a riqueza para todos - incluindo aqueles no topo - deve existir controle significativo sobre a renda e a desigualdade.

A desigualdade prejudica o crescimento econômico, especialmente a alta desigualdade em nações ricas.

Em 2014, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, uma reunião dos 35 países mais ricos do mundo, incluindo os Estados Unidos, descobriu que o aumento da desigualdade nos Estados Unidos de 1990 a 2010 atingiu cerca de cinco pontos percentuais do PIB per capita acumulado durante esse período. Efeitos semelhantes foram observados em outros países ricos.
"O principal mecanismo através do qual a desigualdade afeta o crescimento é prejudicando as oportunidades de educação para crianças de origens socioeconômicas pobres, reduzindo a mobilidade social e dificultando o desenvolvimento de habilidades ", constatou a OCDE. As crianças de 40% das famílias mais pobres (uma grande parte da população) estão perdendo valiosas oportunidades educacionais. Isso os tornará trabalhadores menos produtivos, o que significa salários mais baixos, e por tabela, uma menor participação na economia.
Embora isso seja, obviamente, uma má notícia para as famílias pobres, também prejudicará as pessoas no topo. Se você é um bilionário proprietário de uma empresa de varejo ou fabricação, deseja que as pessoas possam pagar pelas coisas que você está vendendo. Henry Ford oferecia altos salários aos seus trabalhadores, e não por qualquer impulso altruísta, mas porque queria que eles comprassem os carros que fabricavam.
Nem toda desigualdade é necessariamente ruim. Um documento do Banco Mundial de 2015 descobriu que uma certa dose de desigualdade aumenta o PIB per capita nas economias em desenvolvimento, ao permitir que empresários ricos invistam mais. Mas esse efeito é revertido em economias avançadas como a americana, principalmente por causa dos efeitos prejudiciais sobre o nível de escolaridade descrito acima.
Mesmo em países como os EUA, nem toda desigualdade é prejudicial. Um relatório do Fundo Monetário Internacional no ano passado descobriu que a desigualdade em níveis de baixo a moderado poderia ser benéfica para o crescimento. Em uma escala de 0-100 conhecida como coeficiente de Gini, onde 0 significa que todos têm a mesma renda e 100 significa que apenas um indivíduo tem tudo, a desigualdade estimulou o crescimento em países com valores de índice abaixo de 27. Infelizmente para os EUA, o valor atual do índice Gini está em algum lugar em torno de 41, muito além do limite onde a desigualdade se torna prejudicial.

A desigualdade alimenta a criminalidade.

Isso é um pouco óbvio, mas vale a pena destacar alguns pontos chaves do estudo: se você tem uma sociedade drasticamente dividida entre vencedores e perdedores, alguns desses perdedores vão concluir que o jogo é manipulado e que não é interessante jogar pelo regras.
Um estudo da Escola de Economia de Londres de 2016, por exemplo, descobriu que grandes disparidades de renda dentro de determinadas vizinhanças nos EUA, levaram a mais crimes contra a propriedade nos bairros mais ricos. "As diferenças de renda criam um incentivo para aqueles relativamente pobres roubarem as famílias mais ricas", explicam os autores.
Talvez, surpreendentemente, as ligações entre desigualdade e crime violento sejam ainda mais claras. Um documento do Banco Mundial de 2002 encontrou fortes correlações entre desigualdade e índices de crimes violentos, tanto dentro dos países quanto entre eles. Os autores dizem que existe um relacionamento causal, mesmo após serem controladas uma série de outras conhecidas determinantes de crimes. A implicação é que altos níveis de desigualdade criam uma permanente subclasse forçada a competir por recursos escassos, às vezes de forma violenta, com ela própria ou com outra classes.
Este fenômeno é particularmente claro no México atual, de acordo com um documento do Banco Mundial de 2014. Devido à proliferação de gangues durante a guerra contra as drogas no país, os custos do crime diminuíram à medida que o conhecimento e habilidades criminais se espalhavam por toda a população em geral. O alto nível de desigualdade no México (coeficiente de Gini: 48.2), enquanto isso, significou um aumento na expectativa dos benefícios obtidos com o crime. O que você tem é uma tempestade perfeita de incentivos para crimes violentos.
Vale ressaltar que a desigualdade não é o único motor do crime. Nos Estados Unidos, por exemplo, a taxa de criminalidade violenta diminuiu desde o início dos anos 90, mesmo com o crescimento da desigualdade. Há muitos fatores em jogo: policiamento, crescimento econômico geral, até mesmo níveis de desenvolvimento ambiental. O que os estudos acima sugerem é que, se o aumento da desigualdade tivesse sido menos grave, as taxas da criminalidade americana teriam caído ainda mais.
Da mesma forma, muitos fatores além da desigualdade impulsionam o crescimento econômico. Mas a quase unanimidade nos estudos acima, particularmente relacionados aos países ricos com altos níveis de desigualdade, apresentam um caso convincente de que a desigualdade será prejudicial para todos nós, a longo prazo. É por isso que organizações como a OCDE, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial estão disparando cada vez mais o alarme sobre tal problema: a crescente desigualdade prejudica a todos, independentemente do status econômico.
Mas um segmento substancial de eleitores americanos respondeu ao aumento sem precedentes da desigualdade no início do século XXI com uma indiferença coletiva. No ano passado, por exemplo, 35 por cento dos americanos disseram ao Gallup que estavam satisfeitos com a forma como a riqueza e a renda eram distribuídas nos Estados Unidos. Em 2016, porcentagens semelhantes diziam que a distribuição de dinheiro e riqueza era "justa", e que os americanos mais ricos já estavam pagando uma parcela aceitável ou demasiada em impostos. Quase metade disse que desaprovava a redistribuição de riqueza através de impostos mais elevados para os mais ricos.
Muitos americanos consideram a desigualdade como o resultado natural quando talento e habilidade são distribuídos de forma desigual em toda a sociedade - os ricos são ricos porque eles trabalham mais, são mais inteligentes e mais produtivos do que os demais. A alta desigualdade é em grande parte uma questão de mérito, de acordo com essa visão, e não algo que deva despertar demasiada preocupação. Seria uma característica do sistema capitalista, não um defeito.
Mas, mesmo se você achar que os ricos têm direito a uma parcela maior do bolo nacional por causa de seu talento, produtividade e trabalho árduo, pesquisa econômica recente sugere que a desigualdade não controlada significa menos bolo para todos - até mesmo para esses ricos.

© 2018, The Washington Post
Gostou? Acha que poderia ser útil para mais alguém? Enriqueça suas redes sociais compartilhando num dos ícones abaixo (facebook, google +, twitter).
Then? Do you like it?
Share it!


Nenhum comentário:

Postar um comentário