quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

O poderoso bombardeio digital que interfere em nossas atividades diárias


Escolhas: Parte 1 (xkcd)

Por que não conseguimos ler mais?

Ou, os livros podem nos salvar do que o meio digital faz com nosso cérebro?


Traduzido por Eduardo Rodrigues do original em: https://medium.com/@hughmcguire/why-can-t-we-read-anymore-503c38c131fe

No ano passado, li quatro livros.
As razões para esse baixo número são, acho eu, as mesmas razões que você teve para ler menos livros do que acha que deveria ter lido no ano anterior: Tem sido cada vez mais difícil me concentrar em palavras, frases, parágrafos. Muito menos em capítulos. Os capítulos costumam ter página após página "cheinhas" de parágrafos. É como se um espantoso número de palavras concentrassem-se em si mesmas, sem que algo mais aconteça. E uma vez terminado um capítulo, você tem que passar para outro. E, geralmente, por mais um monte deles, antes que se possa dizer terminado, e chegar ao próximo. O próximo livro. A próxima coisa. A próxima possibilidade. Próximo, próximo, próximo.

Eu sou um otimista

Ainda, sou um otimista. Na maioria das noites do ano passado fui para a cama com um livro - papel ou eletrônico - e comecei. Leitura. Leia. Lendo. Uma palavra depois da próxima. Uma frase. Duas frases.
Talvez três.
E então ... Eu precisava de "alguma coisinha" a mais. Algo para me ajudar a continuar. Algo para aliviar aquela pequena coceira no fundo da minha mente - apenas uma rápida olhada no e-mail do meu iPhone; escrever e apagar uma resposta a um tweet engraçado de William Gibson; encontrar, e seguir um link para um artigo bom, realmente bom, no New Yorker, ou melhor, a New York Review of Books (que eu poderia até ler a maior parte, se é tão bom assim). E-mail novamente, só para ter certeza.
Eu li mais outra frase. Já foram quatro frases.
Os fumantes mais otimistas sobre sua capacidade de resistir à tentação são os mais propensos a recair quatro meses depois, e os dietistas super otimistas são os menos propensos a perderem peso. (Kelly McGonigal: O instinto da força de vontade)
Lendo quatro frases por dia demora muito tempo para terminar um livro.
E é cansativo. Eu costumava dormir no meio da sentença número cinco.
Tenho notado esse padrão de comportamento há algum tempo, mas acho que a contagem de livros completos do ano passado nunca foi tão baixa antes. Desanimador, profundamente desanimador, pois minha vida profissional gira em torno de livros:comecei no LibriVox (audiobooks de domínio público gratuito) e Pressbooks (uma plataforma on-line para fazer impressão e e-books), co-editei uma obra sobre o futuro dos livros.
Eu dediquei minha vida, de um jeito ou de outro, aos livros, acredito neles, mas não consigo lê-los.
E não estou sozinho.

Quando o pessoal da New Yorker não consegue se concentrar o suficiente para ouvir uma música inteira, como os livros sobreviveriam?

Recentemente, ouvi uma entrevista no podcast da New Yorker, o apresentador estava entrevistando o escritor e fotógrafo Teju Cole.
Entrevistador:
Um dos desafios da cultura agora é, digamos, ouvir uma música inteira, estamos todos muito distraídos. Você ainda é capaz de dar uma profunda atenção às coisas, é capaz de se envolver em cultura dessa maneira?
Teju Cole:
Sim, com certeza.
Quando ouvi isso, senti vontade de abraçar o entrevistador. Ele nem conseguia escutar uma música completa antes de se distrair. Imagine como deveria estar a sua pilha de livros de cabeceira.
Também senti vontade de abraçar Teju Cole. São pessoas como o Sr. Cole que nos dão esperança de que alguém permaneça capaz de ensinar aos nossos filhos lerem livros.

Dançando para a distração

O que era verdade com meus problemas em ler livros - o inevitável canto da sereia da mega bomba digital de novas informações - também valia para o resto da minha vida.
Minha filha de dois anos dança em recitais. Tutu rosa. Orelhas de gato presas na cabecinha dela. Juntamente com outras crianças de dois anos de idade, diante de uma multidão de 75 pais e avós, essas criancinhas fizeram um show. Já pode imaginar o resto. Você tem visto esses vídeos no Youtube, talvez até eu tenha mostrado os meus. O nível de fofura era extremo, um momento que define um determinado tipo de orgulho paterno. Minha filha nem ao menos dançou, ela apenas vagou pelo palco, olhando para a plateia com os olhos tão arregalados quanto os olhos de uma criança de dois anos interagindo com um bando de estranhos. Não importava que ela dançasse ou não, eu estava tão orgulhoso. Tirei fotos, filmei usando o meu celular.
E, em todo o caso, verifiquei meu correio eletrônico. Twitter. Nunca se sabe.
Frequentemente me vejo nesse tipo de situação - checando e-mails, Twitter ou Facebook - sem nada a ganhar, a não ser o estresse de uma mensagem relacionada ao trabalho que, de qualquer maneira, não poderia mesmo responder naquele momento.
Isso me faz sentir vagamente indigno, consultando meu celular com minha filha fazendo algo maravilhoso ao meu lado, como se eu estivesse furtando sorrateiramente um cigarro.
Ou um cachimbo de crack.
Uma vez eu estava lendo no celular enquanto minha filha mais velha, a de quatro anos, tentava falar comigo. Não ouvi muito bem o que ela havia dito, mas era um artigo sobre a Coréia do Norte. Ela agarrou meu rosto com as duas mãos, puxou-me para ela. "Olhe para mim" - ela disse - "quando estou falando com você."
E estava coberta de razão. Eu deveria sempre olhar.

Socializando com amigos ou familiares, muitas vezes sinto a vibração urgente vinda daquela barra de aço inoxidável, vidro e metais raros no meu bolso. Toque em mim. Olha para mim. Você pode encontrar algo maravilhoso.
Essa doença não se limita a quando estou tentando ler, ou durante os eventos inesquecíveis com minha filha.
No trabalho, minha concentração é constantemente quebrada: terminando de escrever um artigo (este, na verdade), respondendo à solicitação do cliente, revisando e comentando os novos designs, aprimorando a cópia no Sobre a página. Estabelecendo contatos com isso e aquilo. Impostos.
Todas essas tarefas críticas para a minha subsistência são sobrepostas, com mais frequência do que eu deveria admitir, por uma rápida olhada no Twitter (para o trabalho), ou no Facebook (também para o trabalho), ou um artigo sobre os Conjuntos de Mandelbrot (que, neste minuto, eu li).
E-mail, claro, é o pior, porque e-mail é onde o trabalho acontece, e mesmo que não seja o trabalho que você deveria fazer agora , pode ser uma tarefa mais fácil do que a atual, e isso significa que você pode acabar trocando de atividade em vez de continuar se concentrando no que estava fazendo até então. E só então voltar ao que deveria ocupar a sua atenção integral.
Dopamina e meio digital
Acontece que os dispositivos digitais e os softwares são afinados para fazer com que prestemos atenção neles, não importando o que mais devêssemos estar fazendo. O mecanismo, corroborado por recentes estudos neurocientíficos, é algo assim:
  • Novas informações criam uma onda de dopamina no cérebro, um neurotransmissor que faz você se sentir bem.
  • A promessa de novas informações compele o seu cérebro a procurar essa onda de dopamina.
Nas imagens por ressonância magnética é possível ver que os centros de prazer do cérebro se iluminam (com atividade) quando novos e-mails chegam.
Então, cada novo e-mail recebido lhe proporciona uma pequena inundação de dopamina. Cada pequena descarga da substância reforça na memória que checar o e-mail gera uma nova enxurrada. E nossos cérebros ficam programados para procurar coisas que nos darão pequenas doses dessa dopamina. Além disso, esses padrões de comportamento começam a criar caminhos neurais, para que se tornem hábitos inconscientes: trabalhe em algo importante, coceira cerebral, checar e-mail, dopamina, atualização, dopamina, checar o Twitter, dopamina, voltar ao trabalho. Mais e mais, e a cada vez o hábito se torna mais arraigado nas estruturas de nossos cérebros.
Como os livros podem competir?  (CONTINUA)


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