terça-feira, 26 de junho de 2018

As trapaças do viés cognitivo


O viés trapaceiro da cognição

Porque pensar é trabalhoso.

                                    http://chainsawsuit.com/comic/2014/09/16/on-research/
Buster Benson
Eu sempre consulto a lista de tendências cognitivas da Wikipedia toda vez que tenho um palpite de que um certo tipo de pensamento é considerado de viés oficial, mas não consigo me lembrar do nome ou dos detalhes. Tem sido uma referência inestimável para me ajudar a identificar as falhas ocultas em meu próprio pensamento. Não encontrei ainda nada melhor que seja, ao mesmo tempo, tão abrangente e sucinto.
No entanto, honestamente, a página da Wikipedia é um pouco confusa. Apesar de tentar absorver as informações dessas páginas muitas vezes ao longo dos anos, bem pouco parece permanecer. Frequentemente faço uma varredura e sinto que não consigo encontrar exatamente aquilo que procuro, e logo esqueço o que aprendi. Acho que isso tem a ver com a forma como tais páginas evoluíram organicamente ao longo dos anos. Hoje, ela agrupa 175 vieses (ou tendências) em categorias vagas (tendências de tomada de decisão, vieses sociais, erros de memória, etc.), que realmente não me parecem mutuamente exclusivos, e os relaciona alfabeticamente em categorias. Há duplicidades em abundância, e muitas informações semelhantes com nomes diferentes, espalhadas a esmo.
Passei algum tempo nas últimas quatro semanas (estou de licença-paternidade) para tentar absorver e compreender mais profundamente essa lista, e tentar encontrar uma estrutura de organização mais simples e clara para escapar das informações inúteis. Ler mais atentamente as várias tendências de informações disponibilizadas deu ao meu cérebro algo para ruminar enquanto colocava o pequeno Louie para dormir.
Comecei com a lista bruta das 175 tendências e adicionei todas à uma planilha, depois fiz outro exame removendo duplicidades e agrupando vieses semelhantes (como efeito bizarro e efeito de humor) ou vieses complementares (como viés de otimismo e viés de pessimismo). A lista chegou à cerca de 20 estratégias mentais tendenciosas que usamos por razões muito específicas.
Fiz várias tentativas diferentes para tentar agrupar essas 20 em um nível mais alto e, eventualmente, consegui agrupá-las pelo problema mental geral que elas estavam tentando resolver. Todo viés cognitivo existe por uma razão - primeiramente para economizar tempo ou energia aos nossos cérebros. Se você olhar para eles pelo problema que estão tentando resolver, torna-se muito mais fácil entender por que existem, como são úteis e os intercâmbios (e erros mentais resultantes) que introduzem.


Quatro problemas que as tendências nos ajudam a abordar:

Sobrecarga de informação, falta de significado, necessidade de agir com rapidez e como saber o que precisa ser lembrado posteriormente.

Problema 1: Muita informação.

Há um excesso de informação no mundo, não temos escolha senão filtrar quase toda ela. Nosso cérebro usa alguns truques simples para escolher os pedaços de informação que provavelmente serão úteis de alguma forma.
  • Notamos coisas que já estão resolvidas na memória ou repetidas com frequência.

  • Bizarros / engraçados / visualmente impressionantes / coisas antropomórficas se destacam mais do que coisas não-bizarras / sem graça. Nossos cérebros tendem a aumentar a importância de coisas que são incomuns ou surpreendentes.
  • Percebemos quando algo mudou. E geralmente tendemos a pesar o significado do novo valor pela direção em que a mudança aconteceu (positiva ou negativa) mais do que reavaliar o novo valor como se tivesse sido apresentado sozinho.
  • Somos atraídos por detalhes que confirmam nossas próprias crenças. Esse é um dos grandes.
  • Notamos as falhas dos outros mais facilmente do que as nossas próprias. Sim, antes de ver esse artigo como uma lista de peculiaridades que comprometem a maneira como as outras pessoas pensam, perceba que você também está sujeito a elas
    . Ver: Ponto cego, Cinismo ingênuo, Realismo ingênuo

Problema 2: Significado insuficiente.

O mundo é muito confuso, e acabamos enxergando apenas uma pequena parte dele, mas precisamos dar-lhe algum sentido para sobrevivermos. Uma vez que recebemos um fluxo reduzido de informações, conectamos os pontos, preenchemos as lacunas com coisas que achamos que sabemos, e atualizamos nossos modelos mentais do mundo.

Problema 3: Necessidade de agir rápido.

Estamos pressionados pelo tempo e pela informação e, mesmo assim, não podemos deixar que isso nos paralise. Sem a capacidade de agir rapidamente ante o desconhecido, certamente teríamos morrido como espécie há muito tempo. Com cada pedaço de nova informação, precisamos fazer o melhor possível para estimar nossa capacidade de afetar a situação, aplicá-la à decisões, simular o futuro para prever o que pode acontecer a seguir e agir de acordo com nosso atual discernimento.

Problema 4: O que devemos lembrar?

Há demasiada informação no universo. Só podemos nos dar ao luxo de manter contato com os dados que provavelmente serão úteis no futuro. Precisamos nos arriscar em negociações entre o que devemos lembrar e o que podemos esquecer. Por exemplo, preferimos generalizações sobre especificidades porque elas ocupam menos espaço. Quando há muitos detalhes importantes, selecionamos alguns itens de destaque para salvar, descartando o resto. Salvamos o que tem maior probabilidade de prevenir nossos filtros contra a sobrecarga de informações do problema 1, bem como informar o que vem à mente durante os processos mencionados no problema 2 do preenchimento de informações incompletas. Tudo é auto-reforçador.

Ótimo, e como eu deveria lembrar de tudo isso?

Você não precisa. Mas você pode começar lembrando esses quatro problemas gigantescos com os quais nossos cérebros evoluíram para lidar nos últimos milhões de anos (e talvez adicionar esta página aos favoritos se você quiser fazer referência ocasional ao viés exato que está procurando):
  1. A sobrecarga de informação é uma droga, por isso filtramos agressivamente. O barulho se torna um sinal.
  2. A falta de significado é confusa, por isso preenchemos as lacunas. Um simples sinal se torna uma história.
  3. Precisamos  agir rápido para não perdermos a nossa chance, então tiramos conclusões precipitadas. Histórias se tornam decisões.
  4. Isso não está ficando mais fácil, por isso tentamos nos lembrar dos "bits" importantes. Decisões sinalizam nossos modelos mentais do mundo.
A fim de evitar o afogamento na sobrecarga de informação, nossos cérebros precisam revolver e filtrar quantidades insanas de dados e rapidamente, decidir quais são as poucas desse oceano que são realmente importantes e devem ser fisgadas.
A fim  de construir significado com base nos fragmentos de informação que nos chegam à atenção, precisamos preencher as lacunas e mapear tudo isso para os modelos mentais existentes. Enquanto isso, também precisamos garantir que tudo permaneça relativamente estável e o mais preciso possível.
A fim de agir rápido, em questões de segundos, nossos cérebros precisam tomar decisões que possam impactar nossas chances de sobrevivência, segurança ou sucesso, e nos tornar confiantes de que podemos fazer as coisas acontecerem.
E para continuar fazendo tudo isso da maneira mais eficiente possível, nossos cérebros precisam lembrar-se dos dados mais importantes e úteis de novas informações e informar aos outros sistemas para que possam se adaptar e melhorar ao longo do tempo, mas não mais do que isso.

Isso parece muito útil! Então, qual é o lado negativo?

Além dos quatro problemas, seria útil lembrar de quatro verdades sobre como nossas soluções para eles têm suas próprias deficiências:
  1. Nós não enxergamos tudo. Algumas das informações que filtramos são realmente úteis e importantes.
  2. Nossa busca por significado pode evocar ilusões. Às vezes imaginamos detalhes originados por nossas suposições, e então, construímos significados e histórias que não existem na realidade.
  3. Decisões rápidas podem conter grandes falhas. Algumas das reações e decisões rápidas que tomamos são injustas, egoístas e contraproducentes.
  4. Nossa memória reforça os erros. Algumas das coisas de que nos lembramos mais tarde tornam todos os sistemas acima mais tendenciosos e mais prejudiciais aos nossos processos de pensamento.
Estando consciente dos quatro problemas e das quatro consequências da estratégia do nosso cérebro para resolvê-los, a disponibilidade heurística (e, especificamente, o Fenômeno Baader-Meinhof) irá garantir que percebamos nossos próprios preconceitos com mais frequência. Se você visitar esta página para refrescar sua mente de vez em quando, o efeito de espaçamento ajudará a sublinhar alguns desses padrões de pensamento, e assim, o nosso viés cego e realismo ingênuo serão mantido sob controle.
Nada do que fazemos poderá afastar os 4 problemas (pelo menos até que tenhamos uma maneira de expandir o poder computacional e o armazenamento de memória de nossas mentes para abranger o universo), mas se aceitarmos que somos permanentemente tendenciosos, e que há espaço para melhorias, o viés de confirmação continuará a nos ajudar a encontrar evidências que apoiem isso, o que acabará nos levando a entender melhor a nós mesmos.
"Desde que aprendi sobre o viés de confirmação, consigo encontrá-lo em todo lugar!"
Vieses cognitivos são apenas ferramentas, úteis nos contextos certos, prejudiciais em outros. Eles são as únicas ferramentas que temos, e até são muito bons no que devem fazer. Devemos nos familiarizar com eles e até mesmo apreciar que, pelo menos, tenhamos alguma capacidade de processar o universo com nossos cérebros misteriosos.
Atualizando: Alguns dias depois de postar isso,  John Manoogian III perguntou se seria correto fazer uma "re-postagem em diagrama", para o qual eu naturalmente respondi SIM.  
Aqui está o que ele inventou:
Se você se sentir inclinado, pode comprar uma versão em pôster da imagem acima Aqui
Se quiser brincar com os dados no formato JSON, você poderá fazer isso Aqui.
Vou finalizar com a primeira parte deste pequeno poema de Emily Dickinson:
O Cérebro - é imenso - maior que o
   Universo
                                                                      Para que - você - 
                                                          coloque-os lado a lado, 
                                                            E - Com facilidade - 
                                                         Um o outro irá envolver -
                                                                 
https://betterhumans.coach.me/cognitive-bias-cheat-sheet-55a472476b18

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