terça-feira, 24 de abril de 2018

Quantas línguas são faladas no mundo? - parte 1/3






Stephen R. Anderson


O objeto de investigação em linguística é a linguagem humana, em particular a extensão e os limites da diversidade nas línguas faladas no mundo. Supõe-se, portanto, que os linguistas teriam uma noção clara e razoavelmente precisa de quantas línguas existem no mundo. 

Acontece, no entanto, que não há tal contagem definida - ou pelo menos, nenhuma contagem que tenha qualquer status científico da linguística moderna.
A razão para esta falta não é (apenas) que partes do mundo, como as terras altas da Nova Guiné ou as florestas da Amazônia, não tenham sido exploradas com detalhes suficientes para determinar a variedade de pessoas que vivem por lá. Em vez disso, o problema é que a própria noção de enumerar idiomas é muito mais complicada do que parece. 
Há uma série de respostas coerentes (mas bem diferentes) que os linguistas podem dar a essa pergunta aparentemente simples.

Mais do que você possa ter imaginado!

Quando se pergunta às pessoas quantas línguas pensam existir no mundo, as respostas variam um pouco. Uma amostra aleatória de nova-iorquinos, por exemplo, resultou em respostas como "provavelmente várias centenas". Mesmo optando por contá-las, isso não chegou nem próximo.
Quando analisamos os trabalhos de referência, encontramos estimativas que aumentaram com o passar do tempo. A edição de 1911 (a 11ª) da Enciclopédia Britânica, por exemplo, traz um cálculo em torno de 1.000, número que subiu constantemente ao longo do século XX. Isso não é devido a qualquer aumento no número de idiomas, mas sim ao nosso maior entendimento de quantas línguas são realmente faladas em áreas que haviam sido subavaliadas anteriormente.
Muito trabalho pioneiro na documentação das línguas do mundo tem sido feito por organizações missionárias (tais como o Instituto Summer de Linguística, agora conhecido como SIL International) pelo interesse em traduzir a bíblia cristã. Desde 2009, ao menos uma parte da bíblia foi traduzida para 2.508 idiomas diferentes, e ainda muito longe da cobertura total. O catálogo mais abrangente das línguas do mundo, geralmente considerado tão confiável quanto qualquer outro, é o Ethnologue (publicado pela SIL International), cuja detalhada lista classifica, a partir de 2009, 6.909 idiomas distintos.
Você sabia que a maioria das línguas pertencem a uma família?
Uma família é um grupo de idiomas cujo relacionamento genético entre si pode ser comprovado. As línguas mais conhecidas são as da família indo-européia, à qual pertence o inglês. 
Considerando o quão amplamente as línguas indo-europeias são distribuídas geograficamente, e a sua influência nos assuntos mundiais, pode-se supor que uma significativa quantidade de línguas do mundo pertencem a essa família. Mas não é assim: existem cerca de 200 línguas indo-europeias, e mesmo ignorando os muitos casos em que a afiliação genética de uma língua não pode ser claramente determinada, há indubitavelmente mais famílias de línguas (cerca de 250) do que membros da família indo-européia.
As línguas não são uniformemente distribuídas por todo o mundo. Assim como alguns lugares são mais diversos do que outros em termos de espécies vegetais e animais, o mesmo vale para a distribuição das linguagens. Das 6.909 do Ethnologue, por exemplo, apenas 230 são faladas na Europa, enquanto que na Ásia o número é de 2.197.
Uma área de diversidade linguística particularmente alta é Papua-Nova Guiné, onde são estimadas 832 línguas faladas por uma população de cerca de 3,9 milhões. Isso faz com que o número médio de falantes oscile em torno de 4.500, possivelmente o menor de qualquer área do mundo. Essas línguas pertencem a cerca de 40 a 50 famílias distintas. 
É claro que o número de famílias pode mudar à medida que o nível de escolaridade melhore, mas há poucas razões para acreditar que esses cálculos não estejam precisos.
Não encontramos diversidade linguística apenas em lugares tão distantes. Séculos de governos franceses se esforçaram para tornar esse país linguisticamente uniforme, mas (mesmo desconsiderando o bretão, um idioma celta; o Allemannisch, a língua germânica falada na Alsácia; e o basco), o Ethnologue mostra pelo menos dez línguas românicas distintas faladas na França, incluindo Picard, Gascon, Provençal e vários outros, além do "francês."
Multilinguismo na América do Norte é geralmente discutido (além do status de francês no Canadá) em termos de inglês versus espanhol, ou as línguas de populações imigrantes como cantonês ou khmer, mas devemos lembrar que as Américas eram uma região com muitas línguas bem antes que os europeus ou asiáticos modernos chegassem. 
Nos tempos pré-contato, mais de 300 idiomas eram falados na América do Norte. Destes, cerca de metade desapareceram completamente. Tudo o que sabemos sobre eles vem de listas de palavras antigas ou registros gramaticais e textuais limitados. 
Mas isso ainda deixa cerca de 165 línguas indígenas da América do Norte, ainda faladas por certa quantidade de pessoas.
Avançando além das principais linguagens do poder econômico e político, como o Inglês, o chinês mandarim, o espanhol e mais algumas, com milhões de falantes cada uma, em todos os lugares para os quais olharmos no mundo encontraremos um grande número de outras, pertencentes a muitas famílias geneticamente distintas. Mas seja qual for o grau dessa diversidade (e discutiremos abaixo o problema de como quantificá-la), o certo é que uma proporção surpreendente das línguas do mundo está de fato desaparecendo - mesmo quando ainda faladas.
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segunda-feira, 16 de abril de 2018

Entrevista: N. Kalyan Raman - A qualidade de uma tradução




Uma tradução terá, no máximo, a mesma qualidade do tradutor que a produziu

Bhumika Popli 7 de abril, de 2018
N. Kalyan Raman.

O renomado tradutor N. Kalyan Raman, que dedica sua carreira a tornar a literatura tâmil acessível ao leitor anglófono, fala com Bhumika Popli sobre a arte da tradução.

P. Como você escolhe os livros que quer traduzir?
R. Isso pode acontecer de várias maneiras. Muitas vezes faço a escolha através da interação direta com o autor. Às vezes, o editor, depois de ter comprado os direitos de tradução, faz o contato comigo. Por vezes eu escolho o trabalho e me aproximo do autor para solicitar a permissão. Nos três casos, a decisão de traduzir uma determinada obra é influenciada apenas pela minha resposta à ela como leitor, e pela percepção pessoal de sua importância no domínio literário pan-indiano. Descobri que é muito importante para mim levar tal envolvimento e convicção ao processo de tradução. Outros no meio - tradutores, editores de comissionamento, detentores de direitos sobre as obras originais, autores e até mesmo aqueles que atuam como “informantes nativos” - também são movidos, principalmente, pelas mesmas considerações de significado literário do trabalho escolhido para a tradução.
Com base em iniciativas individuais e no poder das redes, essas escolhas, agregadas ao ambiente, dificilmente garantem que os melhores trabalhos em uma determinada língua sejam priorizados para a tradução. O mesmo vale para obras novas e importantes, especialmente por escritores mais jovens. Eu gostaria que as escolhas tivessem uma participação mais ampla, e incluíssem uma série de opiniões. Talvez devêssemos avançar nessa direção.
P. O relacionamento escritor-tradutor é cheio de ansiedade e ceticismo. Um escritor fica apreensivo com a qualidade da tradução de seu trabalho, sobre sua eficácia em transmitir a intenção e as nuances do original. Você já teve que encarar isso como um tradutor, e se sim, como superar esses obstáculos?
R. Sim. Como disse Hegel, “a natureza do espírito é a ansiedade”. Portanto, a ansiedade de um escritor é de se esperar. A maioria dos autores com quem trabalhei não impôs tais ansiedades no processo de tradução, e eu lhes agradeço. Na minha opinião, uma intervenção arrogante do autor não é desejável. Dito isso, o tradutor está tentando replicar a voz do autor e se posicionar no trabalho. Por isso, é de grande ajuda conhecer o autor em um sentido mais amplo, seja pessoalmente ou por meio de outros escritos, alguns dos quais podem ser autobiográficos. Também é útil se o autor revisar o texto, fazendo sugestões e comentários. Em todos os momentos, o tradutor é que deverá ter controle absoluto sobre o texto.
Uma tradução pode ser tão boa quanto o tradutor que a produz, e o autor não pode compensar de forma realista qualquer deficiência grave. De qualquer forma, todas as traduções são provisórias e sempre há espaço para outro tradutor produzir algo melhor do mesmo trabalho.
P. Quando você começou como tradutor, teve que ler muitos textos traduzidos, ou resolveu empreender por um caminho diferente?
A. Quando estava começando, ler textos traduzidos de idiomas indianos ajudou a me convencer de que realmente poderia fazer aquilo, e tornou a tradução real para mim. Ler textos traduzidos também me ajudou a evoluir meus padrões, inicialmente. Depois disso, não aprendi e não aprendo muito lendo textos traduzidos de línguas indianas, embora eu goste de lê-los, muitas vezes com um olhar crítico. A tradução é profundamente pessoal, assim como a escrita criativa. Um tradutor traz para o processo de tradução não apenas sua sensibilidade com relação à linguagem e literatura, mas também tudo o que ele aprendeu e experimentou em sua vida até aquele ponto.
Pergunta: Você poderia nos dizer qual deve ser a abordagem do tradutor com certas palavras fonéticas que são intraduzíveis?
A. Por palavras fonéticas, se você quer dizer palavras onomatopaicas, sempre há maneiras de expressá-las. É importante lembrar que a tradução de tais palavras não precisa necessariamente ser onomatopaica, embora seja divertido encontrar um equivalente similar. Este é realmente um dos muitos problemas técnicos para os quais os tradutores buscam e encontram soluções o tempo todo.
P. Entre poesia e ficção, qual forma é mais difícil de traduzir?
R. Toda tradução é difícil, e a tradução da poesia agrega uma ordem diferente de dificuldade, envolvendo uma linguagem altamente compactada, destilada à sua essência, e toda uma performance da cadência e do ritmo em uma nova linguagem. Encontrei a observação de Edith Grossman de que um poema traduzido, embora ligado ao original, é um enunciado totalmente novo, muito útil. Na verdade, é a única maneira de um tradutor honrar e cumprir os requisitos estéticos do trabalho, ousando criar um novo poema no idioma de destino.
Na ficção, características “invisíveis” como a estrutura narrativa e as qualidades tonais da fala podem ser bastante difíceis de reproduzir de forma eficaz. Todas as narrativas ficcionais de sucesso, ao não se estenderem por demais, trabalham com a imaginação do leitor. Eu diria que isso, também, é um grande desafio para os tradutores.
P. Quais são as novas possibilidades criativas quando dois idiomas - no seu caso, tâmil e inglês - se juntam?
R. Eles não se misturam até que o ethos e os ritmos culturais da língua de origem (tâmil) entram no idioma alvo (inglês), enriquecendo e expandindo o escopo deste último. Acho que esse é o aspecto mais esteticamente agradável de ler um texto traduzido. Se o leitor é generoso de espírito, também poderá se maravilhar com isso.
P. Você traduziu livros de Ashokamitran e, mais recentemente, Poonachi por Perumal Murugan. Quais foram as semelhanças ou diferenças observadas nas obras desses dois escritores?
R. Posso falar disso por uma hora ou mais, mas vou me limitar aqui a algumas breves observações. Ashokamitran
traz a complexidade de pessoas e situações descrevendo a superfície dos eventos. Muito é deixado por dizer. Sua linguagem é muito econômica e os detalhes em suas descrições são mínimos, mas reveladores. O cenário de suas histórias é, em grande parte, urbano.
O mundo da ficção de Perumal Murugan é o Kongunadu rural, onde as vidas de seus personagens estão ligadas profundamente às características da paisagem e fauna que vaga por lá. Ele também usa uma linguagem moderna, mas flexionada pelo dialeto regional, especialmente em seu discurso. Em uma paisagem dominada pela natureza, pessoas e situações são descritas de maneira mais vívida, através de uma linguagem que permanece simples e elementar.
P. Enquanto tradutor, como você se prepara ao mudar de um autor para outro?
R. Até suponho que me prepare, mas não conscientemente. O processo com cada autor é o mesmo: ler com atenção e tentar reproduzir a voz autoral no texto. Obviamente, isso não pode ser feito com dois autores simultaneamente. Eu sempre vou preferir que não.
P. Qual seria um bom ponto de partida para aqueles que querem se familiarizar com a literatura tâmil?
A. Para um leitor nativo da linguagem, é bastante simples. Eles fazem parte da vida da comunidade e têm inúmeras fontes de conhecimento e experiência que podem contribuir para a compreensão da literatura tâmil contemporânea.
Para um leitor não-tâmil de textos traduzidos do tâmil, o discurso literário que contextualize esses textos ao longo das dimensões históricas, sociológicas e ideológicas é muito importante. É particularmente assim para a comunidade de leitores indianos anglófonos, que podem ser tão incrivelmente diversos em termos de sua disposição em relação à vida e à literatura indiana. Infelizmente, tais discursos sobre textos traduzidos é muito escasso e limitado. E na minha opinião, não conseguem fazer o trabalho de forma cativante e eficaz. Não há espaço suficiente para tais discursos. Além disso, a complexa rede do sistema que mantém e controla nossos discursos anglófonos impediu o surgimento de vozes mais novas e melhor informadas vindas das esferas do idioma indiano, e onde elas surgiram, não são levadas suficientemente a sério. Então, enquanto leitor interessado, você pode começar pressionando por uma postura melhor e mais aberta sobre textos traduzidos, e aí esperar chegar a algum lugar.
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segunda-feira, 9 de abril de 2018

A origem das linguagens modernas


Novas evidências alimentam debates sobre a origem das linguagens modernas

Cavaleiros nômades provavelmente abriram uma "ponte na estepe" entre a Europa e a Ásia, mas recentes evidências genéticas levantam outras questões


Por Roni Jacobson , 1 de março de 2018

Cinco mil anos atrás cavaleiros nômades da estepe ucraniana atacaram a Europa e partes da Ásia. E trouxeram com eles uma linguagem que é a raiz de muitos dos idiomas falados hoje - incluindo inglês, espanhol, hindi, russo e persa.
Essa é, de longe, a explicação mais aceita para a origem da antiga língua, chamada Proto-Indo-Européia (PIE). Recentes achados genéticos confirmam tal hipótese, mas também levantam questões sobre como a linguagem pré-histórica evoluiu e se espalhou.

Nenhum registro escrito da PIE foi encontrado, mas os linguistas acreditam que estão conseguindo uma ampla reconstituição. Algumas palavras, incluindo “water” (wód), "father" (pH2-ter) e “mother” (meH2-ter,), ainda são usadas hoje.

A arqueóloga Marija Gimbutas inicialmente propôs a origem ucraniana, conhecida como a hipótese kurgan, na década de 1950.
Gimbutas rastreou a linguagem de volta até o povo Yamnaya, pastores e criadores de cavalos estabelecidos ao sul da atual Ucrânia.

Em 2015, uma série de estudos sequenciou o DNA de ossos humanos e outros restos de muitas partes da Europa e da Ásia. Os dados sugerem que por volta de 3500 AC - aproximadamente na mesma época em que muitos linguistas aceitam como a origem da PIE, e arqueólogos datam a domesticação de cavalos - os genes Yamnaya estavam em cerca de 75% do conjunto genético humano existente na Europa.
Juntamente com as evidências arqueológicas e linguísticas, os dados genéticos inclinaram a balança fortemente em favor da hipótese kurgan.


Crédito: Tiffany Farrant-Gonzalez; Fonte: “Mapeando as Origens e a Expansão da Família das Línguas Indo-Européias”, por Remco Bouckaert et al., em Ciência, Vol. 337; 24 de agosto de 2012

No entanto, resultados mais recentes complicam a história.

Em um estudo publicado em junho do ano passado no Jornal de Genética Humana, os pesquisadores sequenciaram o DNA mitocondrial de 12 indivíduos Yamnaya, junto com seus predecessores e descendentes imediatos. Os restos mortais foram encontrados em túmulos, ou kurgans (dos quais a teoria leva o nome), na atual Ucrânia.
Haviam sido enterrados em camadas uns sobre os outros desde o final da Idade da Pedra até a Idade do Bronze, entre aproximadamente 4500 e 1500 AC - o mesmo período do evento de substituição genética na Europa.
O DNA mitocondrial dos espécimes mais antigos e intermediários (herdados da mãe) eram quase inteiramente locais. Mas o DNA mitocondrial dos espécimes mais recentes incluía DNA da Europa Central, como Polônia, Alemanha e Suécia atuais.
Essa descoberta indica que "houve migrações pendulares, de ida e volta", diz o principal autor do estudo, Alexey Nikitin, professor de arqueologia e genética na Universidade pública de Grand Valley. Em outras palavras, ele acrescenta, "não foi uma viagem só de ida".
As descobertas dão à hipótese de Kurgan “muito mais credibilidade”, acrescenta Nikitin. Mas ele afirma que seus novos resultados também mostram que a migração foi em menor escala do que se especulou anteriormente; os espécimes mais recentes, aparentemente, só chegaram até a Europa central antes de retornarem, embora a língua tenha se espalhado até as Ilhas Britânicas.
Nikitin também acredita que a disseminação não foi tão violenta como frequentemente é feita. “Uma campanha militar explicaria a substituição genética. Mas é improvável que tenha sido o caso ”, diz ele.
David Anthony, um antropólogo do Hartwick College, que foi co-autor de vários dos estudos genéticos anteriores, mas não esteve envolvido nos últimos trabalhos, considera as novas descobertas muito convincentes. “A domesticação do cavalo criou uma ponte das estepes na Índia e no Irã, de um lado, e na Europa, do outro lado”, diz Anthony.
Quando o povo Yamnaya se mudou para a Europa oriental e ocidental, sua assinatura genética era muito diferente do que havia antes”, explica ele. "Isso é o que criou uma imagem tão clara de como a linguagem raiz se espalhou e por que realmente podemos enxergar as migrações com tanta facilidade em um mapa".
No entanto, Anthony discorda da interpretação de que se tratou de um movimento pequeno e quase sempre pacífico. Sem palavras escritas, a transmissão da língua naquela época dependeria, em grande parte, do contato face a face, diz ele, sugerindo que os disseminadores da PIE espalharam-se bastante pela Europa e Ásia. Ele acredita que evidências linguísticas e arqueológicas, incluindo armas encontradas em sepulturas, sugerem que os progenitores da língua carregavam uma cultura guerreira.
Nikitin argumenta que as cabeças dos machados eram puramente “decorativas”, no entanto.
Ambos os pesquisadores alertam contra a leitura excessiva de evidências genéticas. Muitas outras forças sociais e culturais estavam em jogo. “As mudanças de idioma geralmente fluem na direção de grupos que têm maior status econômico, mais poder político e maior prestígio”, diz Anthony. “E nas situações mais brutais, fluirá na direção dos sobreviventes”.

Roni Jacobson
Roni Jacobson é jornalista científico baseado na cidade de Nova York, e escreve sobre psicologia e saúde mental.



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segunda-feira, 2 de abril de 2018

Detalhes sobre as traduções da Bíblia

Embora a Bíblia não seja tão popular hoje em dia como há alguns séculos atrás, ainda é um dos livros mais lidos (se não o mais lido) do mundo. E na Holanda, também é assim.
Em janeiro, Dirk Jan de Kooter defendeu sua tese de doutorado sobre a origem da versão mais popular em holandês - e uma das mais antigas - do Livro Sagrado. Neste post faço uma análise sobre a tese defendida.

O “Statenvertaling” holandês (a tradução "estatal" oficial)

Assim como o Reino Unido tem sua versão King James da Bíblia, os holandeses têm uma tradução da Bíblia que também foi iniciada pelo governo. Em 1618, o governo holandês ordenou a tradução da Bíblia para o holandês.

Até então, as pessoas tinham que fazer uso de diferentes versões da Bíblia, como a tradução de Martinho Lutero, ou antigas traduções que, de fato, não se baseavam nas fontes originais, mas em outras traduções. A fim de prover uma tradução ao povo das Terras Baixas, o Dutch Staten-Generaal (Estado-Geral holandês) decidiu que os tradutores encarregados da tarefa trabalhariam diretamente com os textos originais em hebraico, aramaico e grego.

Esses tradutores pagos pela Staten-Generaal completaram seu trabalho entre 1626 e 1635. Em 1637, a tradução foi autorizada pelo governo, após cerca de meio milhão de Bíblias terem sido publicadas. 
Segundo algumas pessoas, tal Statenvertaling ("tradução oficial do Estado", uma chancela no trabalho da tradução ordenada) já havia sido publicada em idioma incomum; o holandês arcaico. No entanto, tornou-se a mais importante e autorizada tradução da Bíblia na Holanda, e manteve essa posição ao longo dos séculos. 
Hoje em dia, a Statenvertaling ainda é vista por alguns grupos religiosos como a melhor e mais confiável tradução da Bíblia, mas sua autoridade perdeu força e muitas outras igrejas e determinados grupos religiosos estão aderindo a novas traduções, ou até mesmo trabalhando em novas traduções.

No entanto, a Statenvertaling conserva alguma autoridade dentro das comunidades cristãs e também em comunidades científicas. Os linguistas, por exemplo, ainda estão pesquisando a amplitude e a profundidade da linguagem usada, ao passo que, mesmo depois de quase quatro séculos, vários provérbios e ditados da vida cotidiana ainda podem ser rastreados até um versículo bíblico em particular.



Mergulhando nas origens da Statenvertaling

Pode não ser uma surpresa que, ao longo dos séculos, muita pesquisa tenha sido realizada sobre alguns aspectos da Statenvertaling. As pessoas continuam estudando aspectos teológicos e linguísticos. No entanto, havia muito o que esclarecer sobre o processo de tradução da Bíblia ocorrido no século XVII. 
Apesar dos pedidos de esclarecimentos de cientistas do país, no início do século 20 sobre a realização da tradução, os holandeses tiveram que esperar até janeiro deste ano para finalmente conhecerem como a Statenvertaling "nasceu". 
Dirk Jan de Kooter pode, então, defender com sucesso sua abrangente tese na qual aborda o processo de tradução seguido pelos tradutores do livro mais lido na Holanda.
Para descobrir como a chamada "tradução oficial" realmente foi feita, De Kooter introduziu um modelo para análise de diferentes traduções da Bíblia. Com base nos textos originais, reconstruiu o processo de tradução do Novo Testamento. 

A análise dos textos deixou claro que um primeiro teólogo entregava uma tradução inicial, que depois era verificada e editada por um outro. Posteriormente, um terceiro colega cuidava da correção linguística do texto. 
Quando a tradução era aprovada, uma equipe de pessoas envolvidas cuidava de fornecer explicações de textos difíceis e ambíguos, as famosas "Kanttekeningen" ("anotações"), que ainda são usadas hoje em dia. 
Finalmente, uma equipe de consultores comentava, e por fim a tradução era finalizada.



Em sua tese abrangente, De Kooter oferece uma análise detalhada dos textos bíblicos para esclarecer como a tradução da Bíblia foi feita, e dos métodos e razões que levaram os tradutores a escolherem certas palavras ou sentenças específicas. Ele é capaz de mostrar que determinados tradutores usaram de fraseados bem particulares, o que influenciou as traduções. 
Também investiga profundamente as diferenças entre antigas traduções da Bíblia e a Statenvertaling, comparando suas peculiaridades linguísticas e as possíveis justificativas para determinadas escolhas de tradução.

O resultado é de quase 400 páginas (A4!) de uma tese que lança luz nova e sem precedentes sobre como o tempo, o arsenal linguístico disponível e as preferências pessoais influenciaram a formação do livro mais lido do país. 

Enquanto algumas pessoas se gabam da fidedignidade da tradução da Bíblia, De Kooter deixa claro que, nessa tradução, muitos outros fatores além da simples orientação divina desempenharam seu papel. 
Ele também conclui que aspectos linguísticos e teológicos influenciaram-se mutuamente. 

A pesquisa de De Kooters é muito interessante, e uma ótima contribuição à literatura existente sobre o Livro Sagrado e suas influências linguística e social. 
A tese está disponível apenas em holandês, mas merece uma tradução para o inglês, abrindo portas para acadêmicos de todo o mundo usarem a metodologia de De Kooter para revelar a história das traduções globais da Bíblia. 

Leitura recomendada!




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