A linguagem que falo influencia o meu modo de pensar?
É
verdade que o idioma que falo molda os meus pensamentos?
As
pessoas têm feito tal pergunta há centenas de anos. Os linguistas
têm prestado especial atenção ao assunto desde a década de 1940,
quando Benjamin Lee Whorf estudou Hopi, uma língua nativa americana
falada no nordeste do Arizona. Com base em seus estudos, Whorf
afirmou que falantes de Hopi e falantes de inglês possuem uma visão
diversa do mundo devido às diferenças em suas linguagens.
Sabemos
que a resposta a esta questão é complicada. Até certo ponto, é
uma questão tipo galinha-ovo: você não consegue pensar em coisas
para as quais não existam palavras, ou faltam palavras para elas
porque não se pensa nelas? Parte do problema é que não se trata
apenas de linguagem e pensamento; também temos a questão da
cultura.
A cultura - as tradições, o estilo de vida, os hábitos e
assim por diante -recebida das pessoas com às quais vivemos e
interagimos - molda a forma como pensamos, além de definir nossa
maneira de falar.
Há
um idioma chamado Guugu Yimithirr (falado em North Queensland,
Austrália) que não tem palavras como "esquerda" e
"direita" ou "frente" e "verso". Os
falantes sempre descrevem locais e direções usando as palavras do
Guugu Yimithirr para norte, sul, leste e oeste.
Dessa forma, nunca
dirão que um menino está de pé na frente de uma casa; em vez
disso, diriam que ele está de pé (por exemplo) a leste da casa.
Eles também, sem dúvida, pensariam no menino como estando a leste
da casa, enquanto um falante de inglês pensaria nele como parado em
frente à casa.
Nosso idioma afetou nossa maneira de pensar? Ou foi
uma diferença nos hábitos culturais que afetou nossos pensamentos e
nossa linguagem? Muito provavelmente, a cultura, os hábitos mentais,
e a linguagem cresceram juntos.
O
problema também não está limitado a palavras individuais. Em
inglês, a forma do verbo em uma frase descreve um evento passado ou
presente (Mary
caminha
vs.Mary
caminhou).
Hopi não exige isso; as formas de seus verbos mostram como o falante
recebeu a informação, então pode se usar diferentes formas para
conhecimentos de primeira mão (como "eu
estou com fome")
e informações conhecidas por todos, (tais como"o
céu é azul").
Claro, os falantes de inglês podem optar por incluir tais
informações (como, Fiquei
sabendo que Mary passou no teste),
mas não é necessário. Whorf acreditava que, devido a essa
diferença, falantes do Hopi e falantes do inglês pensam de forma
diferente sobre os eventos, com os Hopi concentrando-se mais na fonte
da informação e falantes de inglês concentrando-se mais no tempo
do evento.
Os
objetos são tratados de maneira diferente pela sintaxe de diferentes
idiomas. Em inglês, alguns substantivos (como feijão)
são "contáveis" e possuem uma forma no plural (feijões),
enquanto outros são "conjuntos" e não podem ter plural
(você pode ter duas xícaras de arroz, mas não dois arroz). Outras
línguas, como o japonês, não fazem essa distinção; em vez disso,
classificadores como "porção
de" são usados para todos os substantivos. Os
pesquisadores estão estudando se essa propriedade da língua torna
os falantes do inglês mais conscientes da distinção entre
substâncias e objetos individuais.
Aqui
está mais um exemplo. Whorf disse que, porque o inglês trata o
tempo como sendo dividido em pedaços que podem ser contados - três
dias, quatro minutos e meia hora - os falantes do idioma tendem a
tratar o tempo como um grupo de objetos - segundos, minutos e horas -
em vez de um fluxo contínuo uniforme. Isto, ele diz, nos faz pensar
que o tempo é uma "coisa" que pode ser salva, desperdiçada
ou perdida. Os Hopi não falam de tempo nesses termos, e então
pensam sobre isso de maneira diferente; para eles é um ciclo
contínuo. Mas isso não significa necessariamente que nossa
linguagem tenha nos imposto uma certa visão sobre o tempo; pode ser
que nossa visão do tempo se reflita em nosso idioma, ou que a
maneira como lidamos com o tempo em nossa cultura tenha reflexos em
nossa linguagem e pensamentos. Parece provável que a linguagem, o
pensamento e a cultura formem três fios trançados, cada um afetando
os demais.
Mas as pessoas pensam em linguagem, certo?
Na
maioria das vezes, sim. Mas nem sempre. Você pode facilmente invocar
imagens mentais e sensações que seriam difíceis de descrever em
palavras. Podemos pensar sobre o som de uma sinfonia, a forma de uma
pera ou o cheiro de pão de alho. Nenhum desses pensamentos requer
linguagem.
Então, é possível pensar em algo, mesmo que eu não disponha de uma palavra para descrevê-lo?
Sim.
Pegue as cores, por exemplo. Há um número infinito de cores
diferentes, e nem todas têm seus nomes particulares. Se você tem
uma lata de tinta vermelha e, lentamente, adiciona o azul, gota a
gota, a cor mudará bem devagar para um roxo avermelhado, depois roxo
e depois roxo azulado. Cada gota alterará a cor muito ligeiramente,
mas não haverá um momento único em que deixará de ser vermelha e
se tornará roxa. O espectro de cores é contínuo. Nosso idioma, no
entanto, não é contínuo. Nossa linguagem nos faz quebrar o
espectro de cores em "vermelho", "roxo", e assim
por diante.
O
Dani da Nova Guiné tem apenas dois termos básicos de cores em seu
idioma, um para cores "escuras" (incluindo azul e verde) e
um para cores "claras" (incluindo amarelo e vermelho). Tal
idioma quebra o espectro de cores de maneira diferente do nosso. Mas
isso não significa que não possam ver a diferença entre amarelo e
vermelho; estudos mostraram que eles podem ver diferentes cores do
mesmo modo que os falantes do inglês.
Em
russo, há duas palavras diferentes para azul-claro e azul-escuro.
Isso significa que os russos pensam nelas como cores "diferentes",
enquanto que ter uma só palavra (azul) faz com que os falantes de
inglês pensem nelas como iguais? Talvez. Você pensa em vermelho e
cor-de-rosa como cores diferentes? Em caso afirmativo, você pode
estar sob a influência do seu idioma; afinal, o rosa é realmente
apenas vermelho claro.
Portanto,
nosso idioma não nos obriga a ver apenas o que nos proporciona em
palavras, mas isso pode afetar a forma como colocamos as coisas em
grupos. Uma das tarefas no aprendizado infantil de um idioma é
descobrir quais são as coisas chamadas pela mesma palavra. Depois de
saber que a família de São Bernardo é de cães, a criança pode
ver uma vaca e dizer cachorro,
pensando que as duas coisas contam como o mesmo. Ou a criança pode
não perceber que o chihuahua do vizinho também conta como um
cachorro. A criança deverá aprender qual a variedade de objetos é
coberta pela palavracachorro.
Aprendemos a agrupar coisas que são semelhantes e a dar-lhes o mesmo
rótulo, mas o que tem semelhança suficiente para ficar sob o tal
rótulo pode variar de idioma para idioma.
Em
outras palavras, a influência da linguagem não é tanto sobre o que
podemos pensar, nem sobre o que nos faz pensar, mas sim sobre como
dividimos a realidade em categorias e as rotulamos. E nisso, nossa
linguagem e nossos pensamentos provavelmente são, ambos, muito
influenciados pela cultura na qual vivemos.
Mas e todas essas palavras esquimós para a neve?
Você
pode ter ouvido dizer que os esquimós têm dezenas (ou mesmo
centenas!) de palavras para a neve. As pessoas costumam usar essa
afirmação para mostrar que a forma como vemos o mundo e a maneira
como falamos sobre isso, estão intimamente relacionados. Porém, não
é verdade que os esquimós tenham um número extraordinário de
palavras para a neve. Em primeiro lugar, não há apenas uma língua
esquimó; as pessoas as quais chamamos de "Esquimós" falam
uma variedade de idiomas nas famílias de línguas Inuit e Yupik. E
mesmo se escolhermos um único dialeto de um único idioma, não
encontraremos muita evidência de que ele tenha mais palavras para a
neve do que o inglês. Por um lado, há a questão do que conta como
uma palavra: em inglês, podemos combinar palavras para obter formas
compostas como bola
de neve e
floco
de neve,
e podemos adicionar o que se chama terminação inflexionada para
obter nevou
e
nevando.
As línguas esquimós têm muito mais processos de formação de
palavras do que o inglês, então uma única palavra "raiz"
(como neve)
pode ser a base para centenas de palavras relacionadas. Não parece
justo contar cada uma deles separadamente. Se contar apenas as
raízes, perceberá que esses idiomas não são diferentes do inglês.
Afinal, o inglês tem muitas palavras para a neve; temos neve,
granizo, lama, geada, tempestade de neve, avalanche, nevasca,
precipitação, e se você é um esquiador fervoroso, provavelmente
sabe ainda mais.
Então, aprender uma língua diferente não mudará a maneira como penso?
Na
verdade não, mas se o novo idioma é muito diferente do seu, poderá
dar-lhe alguma visão sobre outra cultura e outro modo de vida.
Mais informação
Nunberg,
Geoffrey. 1996. "Snowblind." Linguagem
Natural e Teoria Linguística 14: p.
205-213.
Pullum,
Geoffrey. 1991. The
Great Eskimo Vocabulary Hoax e outros ensaios irreverentes sobre o
estudo da linguagem. Chicago:
University of Chicago Press.
Por:
Betty Birner
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