segunda-feira, 22 de julho de 2019

O papel da linguística em um futuro contato com alienígenas

O que a linguística pode nos ensinar sobre falar com extraterrestres

Amy Adams e um personagem alienígena no filme A Chegada. Foto: PHOTOFEST, Arrival © 2016 Paramount Pictures

A Linguista Sheri Wells-Jensen explica as armadilhas em nossas suposições sobre extraterrestres

9 de outubro de 2018


Traduzido por Eduardo Rodrigues

De Adam Mann
No filme A Chegada, de 2016, alienígenas com motivos inescrutáveis descem à Terra - e cabe a uma cientista, interpretada por Amy Adams, ajudar na comunicação com eles. Se isso acontecesse na vida real, provavelmente seria Sheri Wells-Jensen quem receberia tal missão. Linguista da Bowling Green State University, Wells-Jensen pensou muito sobre o quão diferentes as mentes alienígenas poderiam ser.
Muitos pesquisadores presumiram automaticamente que extraterrestres possuiriam sentidos como os que a maioria de nós usa diariamente. Mas a experiência sensorial de Wells-Jensen sobre o mundo - como uma pessoa cega - deu-lhe uma rara perspectiva quando se trata de imaginar as alternativas e o que elas podem significar para a capacidade humana de entender os alienígenas.
Scientific American falou com Wells-Jensen sobre linguagem, alienígenas em forma de caranguejo, e maneiras multidimensionais de interpretar o mundo. Segue um trecho editado da conversa.
Os linguistas podem falar sobre a busca por inteligência extraterrestre?
Se esperamos encontrar uma língua alienígena, temos que começar a pensar sobre o que seria a linguagem, como a reconheceríamos e como ela poderia ser diferente do que nos acostumamos. Precisamos criar um monte de hipóteses malucas e começar a pensar fora de nossa caixa.
Como você está tentando pensar fora da caixa com sua pesquisa?
Em 2014, recebi um telefonema para falar com o Instituto SETI [Search for Extraterrestrial Intelligence] e estava tentando me atualizar sobre o assunto. E uma das premissas que encontrei é que alguma civilização extraterrestre acabaria por ser avistada. Estou tentando quebrar essa caixa. A coisa perigosa sobre pressupostos é que você não sabe que os está fazendo.
Para mim, isso se liga a muitas outras questões antropológicas sobre como nos tratamos mutuamente. Se nós, como espécie, não podemos sequer lidar com pequenas diferenças como raça e gênero, por que pensamos que nos daremos bem com alienígenas em forma de caranguejo, por exemplo? Podemos ser bondosos e empáticos um com o outro, o que é uma tarefa pequena comparada a dizer: “É, vamos dar as boas-vindas aos alienígenas em forma de caranguejo com seus intestinos do lado de fora de seus corpos e que mastigam com a boca aberta”?
Nossos corpos influenciam nossa cognição?
Eu posso dar-lhe um monte de pequenos exemplos - a palavra para "ver" também significa "entender" em alguns idiomas. Ou temos palavras para “esquerda” e “direita”, “para frente” e “para trás” - meio que em quatro direções, que estão correlacionadas com a simetria do corpo humano. Mas se tivéssemos três mãos, teríamos “esquerda”, “direita” e, “a outra mão”?
Essa é uma pergunta que me fascina. A estrutura da ASL (American Sign Language) está amplamente adequada às mesmas regras da linguagem falada, exceto que você pode fazer mais coisas simultaneamente. Mas não é alienígena. É reconhecidamente uma linguagem humana, e todos nós podemos aprender isso. E as pessoas cegas podem aprender as línguas das pessoas de visão normal ao seu redor. Uma das perguntas que tenho é: quão diferente a forma do seu corpo tem que ser para realmente testar essa hipótese?
Corpos alienígenas podem ser muito diferentes dos nossos. Eles poderiam usar sonar e viver na água, por exemplo - e ter essa terceira mão.
Exatamente. Por exemplo, posso imaginar direita, esquerda e outra direção chamada “squirk”. Levaria um tempo para aprendê-la fluentemente, mas sinto que poderia aprender. Mas até onde você pode que ir antes que isso se choque com a incompreensibilidade? Pode ser que linguagens alienígenas se tornem cada vez mais difíceis de entender à medida que as formas dos corpos sejam diferentes. Essa barreira realmente existe? Por exemplo, "Não, meu cérebro não pode fazer isso"? As duas linguagens seriam para sempre incompatíveis? Temos que exercitar o pensamento nesses exemplos - até dos que não gostamos.

Para mais ótimas histórias, visite Scientific American.
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segunda-feira, 1 de julho de 2019

"This is not a pipe" - Quando a linguagem empobrece a realidade




As sedutoras armadilhas da linguagem

A linguagem é uma coisa maravilhosa. Ela nos permite categorizar, simplificar e descrever nosso universo complexo e confuso aplicando palavras a objetos e ações que, de outra forma, permaneceriam como bolhas incomuns de formas e cores inconstantes e indefinidas. A linguagem traz ordem, formando uma bela e intricada estrutura que usamos para criar o entendimento comum dentro da nossa espécie, abrindo caminho para o domínio do ambiente em que vivemos.
A língua é uma das nossas grandes habilidades, mas há uma desvantagem. Está tão profundamente enraizada em nossa natureza, sendo usada de forma tão liberal, que muitas vezes esquecemos que sua principal função é descrever o mundo. Confundimos a palavra descritiva que sai da nossa boca com a própria coisa descrita, como se a palavra fosse mais real do que aquilo que estamos descrevendo. Uma vaca não é a palavra vaca; é a coisa corpulenta, em preto e branco, com as tetas roseadas e parada bem na sua frente. A palavra vaca é apenas um rótulo que usamos para identificar algo, não a coisa em si.
A confusão entre expressão e realidade foi ilustrada maravilhosamente pelo artista francês Rene Magritte, que pintou um cachimbo com as palavras “isso não é um cachimbo”, lembrando habilmente ao espectador que a imagem do cachimbo não é um cachimbo de verdade, assim como a palavra vaca não é uma vaca real, mas simplesmente um ruido útil que usamos para nos expressar.


Outro grande exemplo pode ser encontrado no estudioso da semântica, Alfred Korzybski, que observou: “o mapa não é o território”; destacando a confusão comum entre modelos de realidade (o mapa) com a própria realidade (o território). O mapa é puramente uma representação da paisagem, assim como a palavra vaca é uma representação de um enorme animal que exala metano e que nada mais gosta de fazer a não ser passar o dia pastando e mugindo.
Confundir o rótulo/representação com a coisa real que está sendo descrita pode ter a consequência lamentável de diminuir nossa apreciação, reduzindo-a a nada mais que a uma mera abstração. O som que emitimos quando pronunciamos "vaca", nunca será tão maravilhosamente complexo quanto a coisa real que estamos identificando, e enquanto a linguagem é eficaz em categorizar nosso mundo, ela pode ter o infeliz efeito colateral de remover todo o senso de profundidade e curiosidade do objeto observado. Na realidade, uma vaca é uma maravilha natural que pode pesar mais de 1300 kg, tem visão panorâmica de 360 graus e pode sentir o cheiro de algo a mais de 9 km de distância. A palavra vaca é apenas uma abstração útil - ótima para simplificação, mas com o lado negativo de nos cegar para a maravilhosa minúcia do próprio animal em si. À medida que simplificamos, depreciamos.
"Sentenças são apenas uma aproximação, uma rede abraçando uma frágil pérola do mar que a qualquer momento pode desaparecer." - Virginia Woolf
Pode-se dizer que o copo em que estou bebendo agora é apenas um copo, mas também é uma invenção com uma história de quase 4000 anos, originada na quente Índia, avançando em direção à Europa rumo ao poderoso Império Romano, estabelecendo-se como um recipiente útil para beber e usado por bilhões de pessoas em todo o mundo. É muito mais do que apenas um copo. Reduzindo algo a uma única palavra e confundindo a palavra com a própria coisa, somos compelidos a esquecer ricas histórias e características marcantes, e acabamos por achar isso normal.
Linguagem não é realidade. Quando percebemos isso, somos trazidos  para mais perto da realidade; somos obrigados a reconhecer que os sons que proferimos são uma mera representação, com o mundo real bem diante de nossos olhos. As palavras criam uma ilusão impressionante e convincente na qual chegamos a identificar tudo no mundo real como nada além de uma coleção de letras murmuradas - curtas, compartimentadas e chatas.
"Para enxergar a verdade, você precisa escapar da selva das palavras" - Bharath Gollapudi, Quora
obra-prima de Sam Mendes, Beleza americana, nos lembra a complexidade deslumbrante do nosso mundo, encorajando-nos a olhar mais de perto - um convite para expandir as breves e curtas avaliações das coisas e conseguir entender melhor a beleza oculta.
Era um daqueles dias em que fica a um minuto de nevar e há essa eletricidade no ar, você quase pode ouvir. Certo? E essa bolsa apenas dançava comigo. Como uma criancinha me implorando para brincar. Por quinze minutos. Foi o dia em que percebi que havia toda essa vida por trás das coisas, e essa incrível força benevolente querendo que eu soubesse que não havia razão para ter medo, nunca. O vídeo é uma desculpa ruim, eu sei. Mas isso me ajuda a lembrar ... Eu preciso lembrar ... Às vezes há tanta beleza no mundo, sinto que não posso lidar com isso, e meu coração vai desmoronar. ”- Ricky Fitts, American Beauty
Há uma vida inteira por trás das coisas - detalhes infinitos e fascinantes, aos quais temos melhor acesso se nos lembrarmos de que a palavra não é a coisa. Até mesmo algo aparentemente tão banal quanto uma sacola plástica, dançando ao vento, pode ser de uma beleza arrebatadora. Apenas temos que olhar mais de perto.
Um tema semelhante pode ser encontrado no impressionante filme Birdman, de Alejandro Iñárritu. Durante uma cena, o ator protagonista, Thomson Riggan, se enfurece com a vilã crítica, Tabitha Dickinson, acusando-a de confundir palavras e rótulos com a realidade que representam:
Vamos ler a sua porra de revisão. 'Callow' Callow é um rótulo. É apenas isso… "Lackluster". Isso não passa de um rótulo. Margin... marginalia. Você está brincando comigo? Parece que você precisa de penicilina para entender isso. Isso é um rótulo também. Todos estes são apenas rótulos. Você acabou de rotular tudo. Isso é de uma displicência da porra... Você apenas… Você é uma filha da puta preguiçosa. Você é uma preguiçosa… [pega uma flor] Você sabe o que é isso? Você pelo menos sabe o que é isso? Você não sabe, e sabe por quê? Porque você não consegue enxergar se não puder rotular. Você confunde todos esses pequenos ruídos na sua cabeça com o verdadeiro conhecimento. ”- Riggan Thomson, Birdman
Para Riggan, a crítica que promete “matar sua peça” é uma fraude, deixando de olhar além das descrições abruptas para uma verdade mais profunda, pois que ela é muito preguiçosa e complacente para vislumbrar. Como escritor, Dickinson está tão imersa no mundo da linguagem que é incapaz de separar as palavras da realidade, escolhendo bombardear Riggan e sua peça antes mesmo que seja assistida. Este é apenas um pequeno e sutil elemento de um tema importante do filme - a confusão da fantasia e da realidade. Embora Riggan frequentemente se aprofunde em fantasia, passando por proezas impossíveis tais como mover objetos com a mente, ele está ciente do potencial sedutor das palavras, tanto que mantém um alerta em sua escrivaninha que diz “Uma coisa é uma coisa, não o que é dito daquela coisa ”.
Se queremos aumentar o valor do nosso mundo diante de nossos olhos, devemos nos lembrar de que a palavra não é a coisa. Isso não quer dizer que devemos passar nossos dias vagando de objeto em objeto, de boca aberta sobre tudo que encontramos. Precisamos de clareza semântica, concisão. Mas se fizermos uma pausa de vez em quando e examinarmos nosso mundo um pouco mais de perto, nosso abençoado senso de apreciação aumentará, e lentamente nos tornaremos mais agradecidos por esse mundo espetacular e fascinante em que estamos vivendo.

Originalmente publicado em  antidotesforchimps.com em 13 de março de 2019.
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