segunda-feira, 9 de julho de 2018

Cafeinismo - Você consome muita cafeína?



Os efeitos prejudiciais da cafeína em excesso

Café, terror e o impulso para o cafeinismo

Você acabou de “entornar” seu quinto expresso duplo. As coisas estão ficando estranhas: você não consegue se concentrar, seu peito está apertado e, por alguma razão, continua mexendo os dedos dos pés. Estas são apenas algumas das inúmeras maneiras pelas quais a cafeína pode dificultar a vida. Cada dose é menos agradável que as anteriores.
Muitos de nós evitam com segurança esse ponto no espectro do consumo de cafeína. Optamos por um macchiato gelado ou qualquer outra coisa, e ficamos "de boa". Quantidades moderadas como essa podem nos ajudam na concentração, a estudar e - o mais importante - fazer coisas produtivas pela manhã. Mas a maioria de nós não se satisfaz apenas com quantidades moderadas.
Na tentativa de maximizar os bons efeitos da cafeína, muitos ultrapassam de longe os limites. Subestimamos o quanto já consumimos; bebemos mais, e entramos nesse mundo do "Grande Arrependimento". Essa transição nos transporta de um lugar de produtividade onde realmente desfrutamos nossas vidas, para um onde ficamos nervosos, paranoicos e alterados. Aqui registramos o modo como ocorre essa transição.
Qualidade sobre a quantidade
Quando se trata de cafeína, a quantidade que bebemos varia. Nos Estados Unidos, a média é surpreendentemente insignificante 100 a 200 mg. Em lugares como a Noruega e a Suécia, verifica-se um inconcebível índice de 800 mg. Para referência, cerca de 473 ml do Pike Roast da Starbucks contém 310 mg. Uma dose extra large contém 410 mg.
As doses indesejáveis giram em torno de 400 mg. Se você realmente consumir toda essa dose — o que infelizmente eu tenho feito — encontra-se diretamente nesse espaço. Este é o ponto em que a maioria de nós passa de feliz e produtivo para, bem...tudo de ruim.
A maldição do excesso de cafeína não é apenas sobre a quantidade - mas também sobre o período de tempo em que é consumida. A cafeína leva cerca de quinze minutos para iniciar a digestão no fígado, e outros trinta para terminar. Então, tem uma meia-vida de cerca de quatro horas. Isso significa que para atravessar de um mundo para outro é preciso beber muito depressa.
Essa experiência agrava-se pelo fato de que, nos primeiros quinze minutos, é um verdadeiro voo às cegas. Ou seja, não nos damos conta da quantidade já ingerida. Isso cria uma janela terrível na qual, enquanto procuramos pelos efeitos desejáveis, acabamos por beber demais.
Perceba que minha conversa até agora se concentrou no café. Há uma razão para isso: o café tem mais miligramas de cafeína por ml do que o chá, chocolate, refrigerante ou bebidas energéticas. É, em outras palavras, o principal responsável por essa experiência, mais do que qualquer um dos outros. Se você se sentir mal depois de comer chocolate ou ingerir muita bebida energética, provavelmente não será por causa da cafeína.
A cafeína no seu cérebro
Para que a cafeína exerça seus efeitos sobre nós, ela precisa passar pelo processo de conversão no fígado. Este processo reduz a forma original para metilxantina, a molécula responsável por todos os efeitos no corpo. Uma vez convertida, a versão modificada entrará no sangue e será enviada ao cérebro.
Quando metilxantina entra no cérebro, bloqueia nossos receptores de adenosina. A adenosina é uma molécula que diminui a excitação e conduz o corpo para o sono. Ela se acumula ao longo do dia como um subproduto do metabolismo celular, e quanto mais se acumula, mais prepara o nosso corpo para o sono. As pessoas às vezes chamam isso de "freios" do corpo: quanto mais há, mais nos desacelera.
Os receptores de adenosina são onipresentes em todo o cérebro. O maior responsável pelos ciclos de sono-vigília é o prosencéfalo basal. Essa estrutura do lóbulo frontal funciona como um “interruptor” biológico para o cérebro. Ela ajuda a coordenar a atividade de nossas redes de excitação (chamadas de sistema de ativação ascendente) para alterar o nível geral de alerta e excitação do nosso cérebro.
Os efeitos desejáveis da cafeína se manifestam nessas redes de alerta. Que secretam neurotransmissores como dopamina e norepinefrina, e nos tornam mais alertas, motivados, atentos e funcionais. Como a adenosina não aciona os freios desses sistemas, eles ficam sobrecarregados. O resultado é a estimulação e a alegria que a maioria de nós obtém daqueles lattes gelados matinais.
Essas redes de alerta também explicam os efeitos miseráveis da cafeína. Numa tentativa de maximizar esses sentimentos agradáveis, muitos de nós bebemos além do limite. Cresce nossa impaciência na espera pelo efeito animador, tomamos outras duas doses, e só depois percebemos o erro dessa decisão. É quando a nossa experiência só piora.
Quando o bom se torna ruim
A experiência do excesso de cafeína é chamada cafeinismo. Alguns dos sintomas mais comuns incluem nervosismo, irritabilidade, taquicardia (ritmo cardíaco acelerado), “falha gastrointestinal” e uma sensação de mal-estar geral. Esses sintomas surgem em parte pela superativação dos sistemas de excitação do cérebro, mas também, em parte, por outro motivo.
No campo da ecologia comportamental, existe a ideia chamada de Continuum de iminência predatória. Esse Continuum sugere que a atividade neural do nosso cérebro muda de maneiras distintas quanto mais nos aproximamos de um predador. Tais mudanças existem em três etapas:
  1. Pré-encontro. Significa a vida antes do encontro com a fera. Você relaxa, sai, come e envolve-se em outras tarefas cognitivamente complexas. Como cálculos matemáticos ou algo do gênero.
  2. Pós-encontro. É a vida após conhecer a fera. Você entra em pânico, congela, procura uma fuga. A matemática se torna um pouco mais difícil.
  3. Pronto para o ataque É quando a fera te identifica e parte para a agressão. Você corre. Vocês brigam. Talvez você escape. Talvez não. De qualquer maneira, você está assustado: definitivamente não há mais espaço para cálculos.
Quanto mais próximo chegarmos desse predador, mais as áreas do mesencéfalo (em nosso cérebro) assumem o controle. Essas regiões são frequentemente responsáveis ​​por funções de sobrevivência, como lutar ou fugir. À medida que aumenta sua atividade, nosso cérebro "superior" - aquela região responsável por pensar, planejar, tomar decisões e efetuar cálculos - é desligada.
Enquanto várias partes do cérebro estão envolvidas nesse processo, três se destacam: a amígdala - chamada "centro do medo" -, o cinza periaquedutal - um par de núcleos envolvidos na inibição da dor -, e o córtex pré-frontal médio uma área responsável por inibir as duas primeiras regiões. À medida que a amígdala e o cinza periaquedutal aumentam sua atividade, o córtex pré-frontal é desligado.
O que chama a atenção nesse continuum é que muita cafeína pode provocar uma mudança semelhante na atividade neural. Quando perto de nosso limite - isto é, quando estamos numa overdose - nos aproximamos do estágio pós-encontro: nossa amígdala e o cinza periaquedutal ficam mais ativos, enquanto o córtex pré-frontal se apaga. Demasiada cafeína, então, invoca uma experiência semelhante a ter se deparado com um leão.
Não é para todos
Agora, você pode estar pensando: “Uau, eu nunca tive essa experiência antes. Isso tudo é fantasia." Se assim for, garanto que foi por pura sorte. Existem diferenças individuais na forma como os nossos corpos processam a cafeína, por isso alguns de nós inevitavelmente digerem mais rapidamente, deixando-a com meias-vidas mais curtas, etc. Essas diferenças diminuem as chances de acumular uma concentração indesejável. Mas há outra razão pela qual podemos reagir de formas diferentes.
A experiência do cafeinismo é mais provável de ocorrer em pessoas com predisposições para a ansiedade. Em pessoas assim, quantidades menores podem provocar paranoia e nervosismo - perfis semelhantes ao estágio pós-encontro. Nem todo mundo compartilha tais propensões, então nem todos sentirão os mesmos efeitos.
Tais disposições são importantes por causa da maneira como as emoções funcionam em nosso corpo. A Teoria da avaliação da emoção, por exemplo, preconiza que a emoção tem componentes fisiológico e cognitivo. Isso significa que podemos ter a mesma experiência fisiológica - o peito apertado, pernas inquietas, aumento do ritmo cardíaco - mas interpretada de maneiras diferentes. É a diferença entre o paraquedismo e a corrida por sua vida.
Aqueles de nós com predisposição para a ansiedade, então, são mais propensos a interpretar a excitação do excesso de cafeína como medo e pânico, não alegria e diversão. Para nós, a experiência inicia o movimento ao longo do continuum predatório: as áreas de luta ou fuga do cérebro assumem o controle, outras partes são desligadas. O resultado é aquela sensação desagradável de nervosismo, agitação e vigilância que sentimos em relação a tudo que nos rodeia.
Para aqueles vitimados pelo cafeinismo, é decisivamente a pior coisa de todas. Todos os benefícios que inicialmente a cafeína proporcionou, desaparecem de repente - ficamos incapazes de nos concentrar, nossas pernas ficam inquietas, não podemos fazer muita coisa. É como se tivéssemos acabado de ver um leão escondido atrás de arbustos bem próximos. Talvez esta seja uma boa informação para se ter em mente antes de engolir o quinto espresso.

Notas especialmente importantes
  1. O material aqui descreve as várias misturas cafeinadas que consumimos, juntamente com os seus níveis correspondentes de cafeína.
  2. Os três trabalhos (aqui, aqui, e aqui) enumeram o lado mais feio da cafeína e como ela é digerida e processada no corpo.
  3. Este artigo resume as interações da cafeína com nossos diferentes receptores de adenosina.
  4. Este outro descreve tudo o que você pode querer saber sobre os sistemas de excitação ascendente e sua interação com a cafeína.
  5. Nestes três trabalhos ( aqui, aqui , e aqui) poderá aprender mais sobre o continuum da iminência predatória e sua manifestação no cérebro.
  6. Este artigo fala sobre os efeitos ansiogênicos da cafeína e como sua origem pode estar relacionada com as mutações no receptor de adenosina.

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